quinta-feira, 10 de novembro de 2011

2710) Micro-história presente (10.11.2011)



A ciência da História passou por uma grande mudança no último meio século. Grosso modo, a História antigamente era centrada nos grandes fatos (guerras, descobrimentos, revoluções, etc.) e nos grandes personagens (reis, imperadores, generais, presidentes, etc.). 

A gente folheava a História Geral de Borges Hermida e tinha a impressão de que no mundo só tinham acontecido coisas importantes. 

Aí surgiu a micro-história, que foi uma tentativa de falar do povo comum, ao invés dos reis e princesas. Como viviam os mercadores, os camponeses, os pedreiros, os artesãos? A História começou a vasculhar de novo os documentos acumulados nos museus e a deduzir daqueles relatos como era a vida cotidiana de gente sem importância, ou seja, nós, que não somos nem ditadores nem líderes de exércitos. 

É como se de repente todos os historiadores tivessem lido aquele poema de Bertolt Brecht, “Perguntas de um Operário que Aprendeu a Ler”: “Depois de cada batalha um banquete, mas quem servia as mesas?”. A História tornou-se a micro-história, contando, como a poesia de Drummond, a vida “do sineiro, da viúva e do microscopista”. 

Amigos, os micro-historiadores que forem um dia contar o que era o Brasil do começo do século 21 não vão ter problema nenhum. Estamos vivendo o apogeu do detalhezinho, a hegemonia da banalidade, o endeusamento compulsório das tutaméias de cada um. Cada anônimo sabe de cor a pasta de dentes de cada famoso, e fica sonhando com a chance de alguém perguntar qual a pasta que ele próprio usa. 

Mal posso esperar o dia em que uma apresentadora de TV perguntará ao vivo a que horas eu acordo, a marca do meu tênis, minha cor preferida, que livro eu levaria para uma ilha deserta. Andy Warhol previu 15 minutos de fama para cada um, mas não viu que esses 15 serão esticados até virarem um estado de microvisibilidade permanente. 

O famoso é famoso até engraxando os sapatos ou tomando banho de chuveiro. O escritor não se sente realizado quando discute as idéias do seu livro, e sim quando alguém lhe pergunta se ele dorme de calção ou de pijama. Ele não se sente importante pelas coisas grandiosas que fez – porque qualquer idiota que faça uma coisa grandiosa é importante. Não, ele é importante porque come pão com goiabada, e sabe que basta revelar isso no Facebook para que uma horda de admiradores proclame o pão com goiabada como “o top do top”. 

Pobres micro-historiadores do futuro. Vão ter que copiar e decorar cada quark de informação que estamos preservando para eles. Overdose de infrassignificado. Que façam bom uso de cada estátua desenterrada deste Panteão das pulgas, deste Monte Rushmore dos ácaros.





Um comentário:

Fraga disse...

Clap, clap, clap!