segunda-feira, 29 de novembro de 2010

2412) Passeio num Lugar Público (27.11.2010)




Foi graças a Lula & Chico Pereira que, em 1967, entrei em contato com a obra de José Agrippino de Paula, o escritor pop-existencial-tropicalista (minha Nossa Senhora, como esses rótulos são insuficientes) que é uma espécie de 29 de fevereiro na nossa literatura – tem horas que existe, tem horas que não. 

Agrippino é mais conhecido pelo seu livro Panamérica (1967), mas o que li naquela época foi seu primeiro romance, Lugar Público (1965), que num certo sentido é superior ao livro mais conhecido. 

Na época, a Revista Civilização Brasileira (uma espécie de bíblia mensal dos jovens intelectuais de esquerda, em cujas fileiras eu era doido para entrar) promoveu um debate sobre literatura com meia dúzia de escritores, enviando para todos as mesmas perguntas. 

Do que foi respondido só me lembro de uma frase de Agrippino: “Para mim tanto faz começar um livro pela primeira página quanto pela última”. Tipo isso.

Lendo Lugar Público fiquei sabendo por que. O livro é um romance fora-de-esquadro em que cada parágrafo é uma unidade solta, independente dos demais. Cada vez que ele faz ponto-parágrafo, saltamos para outro espaço e outro tempo. 

O que nos desnorteia é que graficamente os parágrafos se sucedem como os de um livro normal ou os deste artigo. Se estivessem separados por vinhetas, ou numerados, o desnorteamento seria diferente, e menor. O modo como ele corta de um parágrafo para o próximo lembra o jeito como Godard usava um corte brusco em pontos onde no cinema tradicional se usaria uma transição lenta (fusão, escurecimento e clareamento, etc.).

Há parágrafos de duas linhas e parágrafos de muitas páginas. Vários deles retornam ciclicamente, inclusive alguns com visões surrealistas tiradas de quadros de Hieronymus Bosch. 

Na maior parte do tempo, a história acontece numa cidade asfixiante, tenebrosa e opressiva, espécie de antologia das áreas mais boca-do-lixo e fuliginosas de São Paulo, e mostra as perambulações de um grupo de intelectuais com nomes como Pio XII, Péricles, Napoleão, Galileu, Bismarck... 

Os personagens são meio sem rosto e quase intercambiáveis, por trás desses nomes de gente famosa. Há um narrador na primeira pessoa que às vezes parece um personagem constante, às vezes parece um dos que são nomeados nos outros trechos.

A prosa de Agrippino (e em Panamérica isto é ainda mais intenso) é uma prosa meio autista, de quem contempla e descreve tudo sem envolvimento afetivo e sem ligar muito para o que ocorre. Uma linguagem gravador-e-câmara muito diferente da que o “nouveau roman” francês praticava. 

O que talvez mais impressione é percebermos que há pessoas que vivem assim, que veem as coisas assim, que pensam assim. Mais distanciados e estranhados do que qualquer brechtiano radical. 

Se o livro de Agrippino se intitulasse Relatório Coletivo de Alienígenas Amnésicos Naufragados no Planeta Terra, poderia ser lido e interpretado como um dos clássicos da FC brasileira.











Um comentário:

Walmir Chaves disse...

Não conheço esse escritor. Mas, pela descrição, acho que êle só era "raro" para os que, naquela época, não houvesse conhecido, ainda, a maconha ou coisas semelhantes...rsrsrsr