terça-feira, 4 de maio de 2010

1995) “Oldboy” (31.7.2009)



Um homem é sequestrado por desconhecidos à noite, após deixar uma cabine telefônica. Acorda trancado num quarto onde há cama, TV, o essencial para um mínimo de conforto; mas não há janelas, e na única porta abre-se apenas uma portinhola por onde pessoas desconhecidas lhe entregam a comida. Passam-se dias, semanas, e ninguém lhe dá nenhuma explicação. A certa altura, ele grita na portinhola: “Me digam pelo menos por que motivo estou aqui! Já fazem três meses!” E a voz dele, em off, comenta, por cima dessa imagem: “Teria feito alguma diferença, se tivessem me dito, naquele dia, que acabariam sendo quinze anos?”

O filme Oldboy do sul-coreano Chan-wook Park (2003) tem toda a estrutura de um drama de vingança, acrescido de um mistério. A referência mais imediata que nos ocorre é O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas, em que o protagonista volta, depois de anos na prisão, para se vingar dos que destruíram sua vida. Mas no livro de Dumas sabemos quem o fez, e por quê. No filme de Park, antes da consumação da vingança é preciso elucidar dois mistérios. Quem se deu o trabalho de abduzir Oh Dae Su durante quinze anos? E por quê? E – principalmente – por que motivo ele foi solto inesperadamente, levado desacordado para a rua, e lhe deram dinheiro e um celular através do qual uma voz misteriosa lhe dá instruções e lhe faz desafios?

Mais do que ao drama de vingança, Oldboy pertence ao subgênero que John Clute definiu como “godgame”, o jogo de ser Deus, em que um indivíduo poderoso, com meios quase ilimitados ao seu dispor, interfere na vida de uma pessoa, fazendo com ela um jogo cruel de gato e rato. Liberado da prisão, Oh Dae Su percebe que está vigiado a toda hora. Sabem onde ele foi, com quem esteve, o que fez, o que falou. Como se espiões invisíveis viessem seguindo os seus passos, enquanto ele junta as peças do quebra-cabeças para descobrir a identidade do seu carrasco.

É um filme metafísico que no final faz alusões claras ao mito de Édipo, e ao mesmo tempo um desses filmes contemporâneos com cenas de sadismo explícito que fazem os mais sensíveis fecharem os olhos. A violência, apesar de excessiva, não é despropositada, porque se trata de uma tragédia, um filme sobre maldade gratuita, ódio a longo prazo e vingança feroz. Como é um desses enredos cheios de reviravoltas e surpresas, fica difícil comentá-lo em detalhe sem estragar o prazer de quem ainda não o viu. Mas basta dizer que Oldboy poderia ter pedido emprestado o título em português de um velho melodrama: Meu passado me condena. É um filme onde não há inocentes, em que as vinganças são excessivas, mas compreensíveis, porque o que as move não é a ética e sim o desepero de quem teve sua vida destruída. Como nas tragédias gregas ou elizabetanas, todos saem perdendo no final – menos o único personagem a quem é poupado o conhecimento da terrível verdade que não posso revelar aqui.

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