domingo, 4 de abril de 2010

1861) “Flashbake” (25.2.2009)



Há uma ala da crítica literária que foca sua atenção na história criativa de um texto. Em vez de apenas analisar o romance ou poema do jeito que ele foi publicado, o crítico procura ter acesso a todas as versões sucessivas do texto, desde as primeiras anotações e esboços até as versões completas (que frequentemente são mais de uma) preparadas pelo autor. E mais além, até, porque há autores que continuam a mexer em textos mesmo depois da primeira publicação. Essa crítica reconstitui a evolução de uma idéia através de sucessivas formas, e pode nos dar informações interessantes sobre o texto final (ver “The Waste Land”, 20.8.2005).

O uso do computador acabou com essa festa. Não há mais versões manuscritas, datilografadas, riscadas e corrigidas. Tudo se desfaz num clique de “salvar alterações”, sem deixar rastros do que foi descartado. (Nem sempre, é claro. Muitos escritores, como eu mesmo, gostam de escrever no computador, imprimir, fazer correções a mão, passar as correções para o novo arquivo, e guardar as folhas impressas e rabiscadas. Hábito.) Pois bem, o saite BoingBoing anuncia a criação de um programa chamado “Flashbake”, uma parceria entre Cory Doctorow e Thomas Gideon (ver: http://bitbucketlabs.net/flashbake/) que preserva cópias sucessivas de um arquivo, com todas as alterações feitas, e mais outras informações que interessarem ao usuário.

Diz Doctorow que o Flashbake pode ser programado para: checar de 15 em 15 minutos, ou quanto tempo o usuário estabelecer, todos os arquivos que ele determinar; anotar as mudanças feitas neste intervalo; registrar dia e hora em que foram feitas, preservando a versão anterior, e relacionando-as com as três postagens mais recentes que o usuário fez em seu blog. O objetivo, diz ele, é fazer com que ele possa, um dia, saber onde estava, que horas eram, e no que estava pensando quando fez aquelas alterações. O sistema pode até registrar quais foram as canções mais recentes tocadas no computador do usuário.

O que significa isto? Que, se quisermos, os recursos do computador e do processador de texto podem ser combinados para dar aos críticos genealógicos ou arqueológicos versões de um texto literário muito mais ricas de informação do que os manuscritos ou datiloscritos dos séculos passados. O texto eletrônico pode ter uma enorme descartabilidade, mas pode ter também uma enorme “preservabilidade”, inclusive porque os HDs atuais são capazes de armazenar quantidades astronômicas de texto. Talvez eles não preservem aspectos que os historiadores tanto prezam nos documentos antigos – a textura, a cor e o cheiro do papel, as diferentes cores e tonalidades da tinta, os borrões, os rabiscos, os desenhos, as ocasionais manchas de café ou de umidade numa página, as variações de caligrafia, tudo que dá a um manuscrito literário uma fisionomia única e humana. Mas se texto é feito de texto, ninguém pode gravar e preservar texto melhor do que um computador.

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