quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

1458) Os prêmios literários (15.11.2007)



Lendo os diários que Adolfo Bioy Casares manteve durante décadas de convivência com Jorge Luís Borges, é curioso constatar o quanto os prêmios literários argentinos – que para nós, aqui do outro lado do mundo, são desconhecidos e irrelevantes – tiravam o sono do grande escritor. Borges era dividido entre uma enorme modéstia da-boca-pra-fora e uma enorme necessidade de reconhecimento público. Passou a segunda metade da vida ansiando por um Prêmio Nobel que nunca veio. A Academia Sueca o ignorou, segundo alguns, por suas opiniões políticas controversas (os suecos adoram os escritores de esquerda, ou pelo menos os que se rebelam ostensivamente contra algum governo), e segundo outros pelo fato de que não escreveu romances, e por algum motivo os suecos achavam que um simples escritor de contos não merecia o prêmio.

Em 1957, na expectativa da concessão dos Prêmios Nacionais de Literatura, dizia Bioy Casares: “Quando estou sem Borges, esqueço desse assunto. Ele está muito mais certo de ganhar seu prêmio do que eu do meu, mas pensa o dia inteiro no assunto. Talvez a razão seja justamente esta: tem mais esperanças. Outra razão: é mais caviloso do que eu. Outra: estes assuntos lhe interessam mais do que a mim. Outra: tudo lhe interessa mais do que a mim”. Há uma certa melancolia nesta frase final. Borges, embora mais velho que Bioy (tinha 58 nessa época), era menos “blasé”, menos aristocrático. Tinha uma atitude mais infantil quanto aos prêmios, tanto no bom quanto no mau sentido.

Luís Buñuel conheceu Borges na Espanha, nos anos 1920, no círculo literário formado em torno de Ramón Gómez de la Serna. Ele não ia muito com a cara de Borges, a quem considerava “presunçoso, adorador de si mesmo, exibicionista, reacionário”. E diz: “O Prêmio Nobel repete-se como uma obsessão nas suas respostas aos jornalistas. É absolutamente claro que sonha com ele”. Esta já é uma reflexão “a posteriori”, porque Borges só se tornou candidato real ao Nobel depois de 1960.

Mas a melhor história a este respeito é do norte-americano John Barth. Em 1983 ele estava presente a uma palestra de Borges na Universidade de Baltimore, justo na semana em que o Nobel foi concedido ao inglês William Golding. Os anfitriões, que sabiam da frustração de Borges em nunca ter recebido o prêmio, fizeram o possível para não tocar no assunto durante os jantares e as solenidades acadêmicas. Mas depois da conferência de Borges, para uma platéia repleta de estudantes, foi inevitável que um deles pedisse a palavra e fizesse a temível pergunta: “Sr. Borges, mais uma vez o senhor foi preterido da hora da concessão do Prêmio Nobel. O que acha disto?” Borges deu um sorriso vago para a platéia que não podia enxergar e disse: “Sabe, eu sou candidato há tantos anos... Tenho a impressão de que eles pensam que já me deram esse prêmio”. E Barth comenta: “Uma resposta de alto nível, dada por um ‘gentleman’ de alto nível”.

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