domingo, 15 de novembro de 2009

1370) O futebol no Iraque (4.8.2007)



Domingo passado, a seleção de futebol do Iraque ganhou pela primeira vez na História a Copa da Ásia, ao derrotar por 1x0 a Arábia Saudita, num jogo realizado em campo neutro, na Indonésia. É um dos grandes acontecimentos futebolísticos do ano. Todos nós acompanhamos pela imprensa a situação de caos e de carnificina que vive o país iraquiano, com massacres quase diários através de carros-bombas, seqüestros e execuções sumárias, atentados, etc. O país está se fazendo em pedaços, e o pior de tudo é que nem sequer são os invasores norte-americanos que promovem as matanças, são os próprios iraquianos que vão na goela uns dos outros.

O Iraque é um arranjo geopolítico criado pelas potências européias para ocupar aquela região do Oriente, riquíssima em petróleo e em relíquias históricas. A população consiste mais ou menos em 45% de árabes xiitas, 30% de árabes sunitas e 25% de curdos. Todos se odeiam, e não é de hoje. Durante a ditadura sunita de Saddam Hussein, ele perseguia os adversários, reprimia-os, e impedia que estes retaliassem. Quando os americanos derrubaram Saddam, foi como soltar no quintal três pitbulls que se detestam.

A seleção de futebol inclui jogadores dos três grupos. O país inteiro torceu por ela. Ela representa as principais etnias e religiões do país; é um pouco como aquela seleção francesa campeã em 1998, onde havia gente de origem francesa, belga, suíça, argelina, africana, etc. Um quebra-cabeças onde todo o mosaico cultural francês estava representado. Pois os iraquianos derrotaram na semi-final a Coréia do Sul, nos pênaltis, após um empate de 0x0. No domingo, venceram a Arábia Saudita e a festa tomou conta do país inteiro.

Quer dizer – a festa, e a matança. Já no jogo da semifinal, durante as comemorações, dois carros-bombas explodiram em praças repletas de torcedores em festa, matando mais de 50 pessoas. Como se não bastasse isto, os iraquianos, como outros povos árabes, têm o costume de comemorar as ocasiões festivas disparando para o alto tiros de armas de fogo. Pelo menos duas pessoas morreram atingidas por balas disparadas para o alto e que voltaram a cair sobre a multidão.

Pode ser desumano o que vou dizer, mas essas notícias me entristeceram muito mais do que as que vejo toda semana, quando os carros-bomba simplesmente matam gente em fila de emprego ou gente fazendo a feira num mercado. Eu lamento essas mortes, mas me conformo um pouco. Mas quando vi as notícias sobre as mortes de torcedores que comemoravam a vitória da seleção, a dor foi grande. Talvez porque a seleção, uma imagem utópica da convivência pacífica entre aqueles grupos, tenha sido ofendida no meio de sua maior festa. Talvez porque o técnico do Iraque seja um brasileiro, e isso de certa forma deixe os iraquianos um pouco mais próximos de nós. A morte de quem parece com a gente, digamos a verdade, sempre nos comove mais do que a morte do diferente, a morte do distante.

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