sábado, 4 de outubro de 2008

0574) Fausto, Gutenberg e Lutero (20.1.2005)


(Fausto, de Rembrandt)

O Saber e o Pecado sempre foram considerados duas entidades muito próximas, o que se deve em grande parte à lenda do Paraíso Terrestre: “Tinha também o Senhor Deus feito nascer da terra todas as castas de árvores agradáveis à vista, e cujo fruto era gostoso ao paladar: e a árvore da vida no meio do paraíso, com a árvore da ciência do bem e do mal” (Gênesis, cap. 2, vers. 9). Deus faz a Adão a advertência terrível: “Mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem, e do mal. Porque em qualquer tempo que comeres dele, certissimamente morrerás” (Gênesis, cap. 2, vers. 17).

Ora, Adão e Eva comem do fruto e não morrem, o que, na minha adolescência, era prova cabal de que Deus era mentiroso. Esta grave contradição filosófica era atenuada pelo fato de que, sendo expulsos do Paraíso, Adão e Eva tornam-se mortais, e talvez fosse disto que Deus os estava ameaçando, com as habituais linhas tortas de seu estilo.

A palavra “ciência” na fala divina deve ser interpretada em seu sentido popular de conhecimento, informação sobre um fato (“Eu não tive ciência de que o ofício já tinha sido enviado para o diretor”). Ter ciência do bem e do mal é estar ciente da existência destas duas forças, ter acesso a esta linha progressiva de degraus: a informação, que pode levar ao conhecimento, o qual pode levar à sabedoria.

Um texto de Adrian Johns que li na Internet (“Ten Things You Didn´t Know about Your Books”, em http://www.press.uchicago.edu/Misc/Chicago/401219.html) traz uma curiosa lenda sobre a invenção da imprensa. Sabe-se muito pouco, na verdade, sobre a vida do seu suposto inventor, Gutenberg. Segundo Johns, o Doutor Fausto, o lendário personagem que serviu de inspiração para a peça de Goethe, seria um dos responsáveis pela criação da imprensa. Consta que um dos financiadores de Gutenberg era um banqueiro chamado Fust, cujo nome em forma latinizada (como era de uso na época) tornava-se “Faustus”. Johns afirma que esta fascinante possibilidade (Fausto, inspirado pelo demônio, teria provido os fundos necessários para a disseminação dos conhecimentos do bem e do mal) foi objeto de incontáveis especulações durante o Iluminismo, em forma de pesquisas eruditas, polêmicas e até mesmo teatro de bonecos.

Do ponto de vista religioso, Fausto seria o intermediário entre o Diabo e o Mundo. Uma espécie de agente provocador, que, instruído por Mefistófeles, teria investido sua fortuna numa maneira rápida de tomar de assalto os corações e mentes da Humanidade, propagando conhecimentos profanos. Durante séculos era proibido aos cristãos ler a Bíblia, proibição rompida quando Lutero a traduziu para o alemão e a popularizou. Diz-se que a versão alemã da Bíblia foi um dos livros mais pirateados de seu tempo: a imprensa mal tinha sido criada e já existiam edições piratas. O que pode ter havido é uma conspiração laica, profana, entre Fausto, Gutenberg e Lutero, para tornar o conhecimento do Bem e do Mal acessível à humanidade inteira.

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