quinta-feira, 31 de julho de 2014

3565) Billy Wilder ensina (31.7.2014)



(túmulo de Billy Wilder)

Billy Wilder, roteirista e diretor alemão, fugiu do nazismo e veio parar bastante jovem em Hollywood, onde dirigiu filmes como Pacto de Sangue (1944), Crepúsculo dos Deuses (1950), A Montanha dos 7 Abutres (1951), Quanto mais quente melhor (1959) etc. Numa série de entrevistas para Cameron Crowe, Wilder deu várias dicas de como construir uma história para o cinema. São dicas que valem para a arte da narrativa em geral: literatura, HQ, teatro, etc.

Dizia ele: “Quanto mais sutilmente você esconder os detalhes essenciais do seu enredo, mais competente você é como escritor”. E dizia também: “Uma dica de Ernst Lubitsch: deixe a platéia somar dois mais dois, e ela vai amá-lo para sempre”.  São duas dicas importantes e aparentemente contraditórias. Na primeira, ele nos diz para esconder elementos importantes da platéia, pegá-la de surpresa. Ocultar dados essenciais de maneira sutil, às vezes deixando-os à mostra, sem lhes dar importância, mas fazendo o público registrar a informação, para lembrar dela no momento da surpresa. Na hora do perigo, quando o mocinho achar a arma que vai salvá-lo, a arma tem que ter sido mostrada, sob outro pretexto, lá no começo da história; mas houve fair-play. “Eu mostrei, vocês é que não deram a devida atenção”.

Wilder diz também: faça o público tirar suas conclusões, sem lhe dar a resposta. Dê apenas as pistas. Obrigue-os a ficar de olho em tudo. Quando o espectador deduz algo e vê essa dedução confirmada, ele se acha inteligente, e com isso acha o diretor inteligente também. Raymond Chandler citava como bom exemplo de roteiro esta cena, cujo objetivo era mostrar um casal em crise. Marido e esposa entram no elevador. Marido de chapéu na cabeça. Elevador para noutro andar. Entra uma mulher. Marido tira o chapéu, cavalheirescamente. O roteiro fornece o 2+2 e a conclusão é por conta da platéia: ele não dá a mínima para a esposa. (O exemplo é dos anos 1940: como seria um exemplo equivalente para 2014?)

Esses conselhos (estimular a surpresa, estimular a dedução) mostram que uma das raízes da narrativa é a interatividade.  É da tensão entre essas perguntas e respostas que a narrativa (literária, cinematográfica, etc.) vai construindo sua relação com o leitor, e se tanto o autor quanto o leitor são inteligentes, essa relação vai se tornando cada vez mais complexa e prazerosa. Vira um jogo. Eu diria que nesse aspecto a história de mistério (mais tipicamente o mistério policial, detetivesco) é a narrativa por excelência, porque nenhuma outra se baseia tanto nesse jogo de pequenos enigmas que brotam num minuto e são respondidos (ou adivinhados pelo público) no minuto seguinte.


quarta-feira, 30 de julho de 2014

3564) A mensagem do livro (30.7.2014)




Um dos vícios mais recorrentes na apreciação de um livro, consequência de um ensino errado de literatura no colégio, é ter que perguntar, como num guia do professor: “Qual a mensagem do livro? Qual a idéia que o autor quis transmitir?” E coisa e tal. 

Não estou dizendo que um livro não possa ter uma mensagem. Há muitos que têm, mas geralmente são os mais chatos e desnecessários. Foram provavelmente escritos por pessoas que ouviram esse tipo de questionário na escola, e a partir daí começaram a ler os livros em busca da mensagem de cada um. 

Acabam largando os livros rapidinho ao perceber que eles não têm mensagem nenhuma, ou têm duas ou três mensagens contraditórias, ou têm milhares de mensagens que não batem umas com as outras, etc.

Um dia esses leitores tornaram-se escritores.  Seu processo criativo, provavelmente, passou a acontecer assim: 

1) Conceber uma mensagem, geralmente com o objetivo de ensinar a alguém alguma lição-de-vida útil; 

2) Imaginar uma situação em que essa mensagem seja necessária para um personagem ou grupo de personagens que a desconhecem; 

3) Fazer com que, no momento culminante, perto do fim, um dos personagens diga a mensagem, de forma clara e inequívoca, aos demais. (E ao leitor.)

É a existência desse tipo de literatura simplória que acaba prejudicando o restante, porque começam a cobrar esse tipo de mensagismo rudimentar aos livros de verdade – e a considerá-los livros defeituosos, “herméticos”, “elitistas”, quando descobrem que eles não funcionam dessa forma. 

Ficam como certos leitores de fábulas (de Esopo, de La Fontaine, etc.) para quem a “moral da história” é o que importa, e a história está ali só para justificar a moral. (Por isso as melhores fábulas são somente a história, e deixam a “moral” para ser descoberta – ou inventada – por quem lê.)

Uma ótima resposta para isso é a do dramaturgo Harold Pinter, que uma vez recebeu uma carta de uma espectadora de sua peça The Birthday PartyA madame dizia: 

“O sr. pode me informar o significado desta sua peça? Há três pontos que não compreendi: 1) Quem são os dois homens? 2) De onde veio Stanley? 3) Devemos considerá-los normais? Espero que o sr. entenda que sem as respostas a estas perguntas não poderei entender sua peça.”

Pinter respondeu: 

“Prezada senhora: Ficaria grato se me explicasse o significado de sua carta. Há três pontos que não compreendi: 1) Quem é a senhora?  2) De onde a senhora vem?  3) Devo considerar que a senhora é normal?  Espero que a sra. entenda que sem as respostas a estas perguntas não poderei entender sua carta.”

E nada mais disse nem lhe foi perguntado.







terça-feira, 29 de julho de 2014

3563) Forster e a burocracia (29.7.2014)



Quando se diz que o ser humano vai ser destruído por máquinas que ele mesmo criou, tem gente que imagina logo hordas de andróides assassinos ou de robôs desregulados. 

Não vou dizer que isso é impossível, porque não quero queimar minha língua daqui a dez anos, mas por enquanto acho que essas tais máquinas destruidoras são de outra natureza. A burocracia, por exemplo, é uma máquina – um conjunto de processos interligados, cheios de vetores hierárquicos (séries de atos que só podem ser cumpridos se outros atos forem cumpridos primeiro) e assim por diante. 

Numa crônica anterior (“O que é um Loop”, em http://tinyurl.com/myqtz37) falei sobre um desses aspectos.

Conta-se que quando publicou em 1922 seu livro de viagens Alexandria, E. M. Forster (autor de Passagem para a Índia, etc.) recebeu certo dia uma carta da editora, informando que tinha havido um incêndio no depósito e, entre outras coisas, toda a primeira edição do livro fora destruída. 

Por sorte a edição estava no seguro, o seguro já tinha sido pago, e acompanhava a carta um cheque (“com uma soma substancial”) referente aos direitos autorais daquela tiragem.

Forster achou aquilo muito chato, mas não tinha jeito a dar; embolsou o cheque e foi pensar noutra coisa. Semanas depois, entretanto, chega outra carta. Os editores acabaram descobrindo que o porão do armazém havia sido poupado do fogo, e justamente lá tinha sido estocada toda a edição do livro dele.  

Parecia uma solução, mas na verdade era um problema. A destruição tinha sido comunicada à seguradora, que achara suficientes as provas apresentadas. O dinheiro já tinha sido pago e provavelmente gasto, ia ser difícil não só devolvê-lo como desmanchar todos os trâmites legais que conduziram ao pagamento. Qual foi a solução que a editora encontrou? Incinerar os livros. 

Acontecem coisas assim o tempo todo na administração pública e privada. Me lembro que o Brasil já mandou destruir milhões de toneladas de café colhido e ensacado para provocar escassez do produto e aumentar o preço dele no mercado.   

A história me lembra também certas soluções políticas em que é impossível desfazer um erro e o jeito é cometer outro erro do mesmo tamanho para equilibrar os pratos da balança. Em Limite de Segurança de Sidney Lumet, os EUA jogam sem querer uma bomba atômica sobre Moscou. Para mostrar que estavam de boa fé e evitar um holocausto nuclear, o presidente norte-americano manda jogar uma bomba idêntica sobre Nova York. 

Os processos da política, da administração, da economia são de tal natureza que um erro acaba gerando uma cadeia de soluções tão catastróficas quanto o problema original. E la nave va.








domingo, 27 de julho de 2014

3562) O momento poético (27.7.2014)



("A Grande Onda de Kanagawa", de Hokusai)

Em sua biografia do poeta japonês Matsuo Bashô, o mestre do haikai, Paulo Leminski transcreve este curto poeminha do mestre: “dia de finados / do jeito que estão / dedico as flores”. E comenta: 

“Na festa de Ulambamma, os japoneses homenageiam os mortos. Nesse dia, todos colhem flores para levar aos que já se foram. Bashô, também: é um budista, articulado com os ritos da tribo. No haikai, porém, a subversão súbita: as flores que vê, Bashô as oferece aos defuntos, sem tirá-las do pé. Uma afirmação de vida: um sim para a poesia.”

Olha que coisa mais bonita. Ele olha para as flores. Poderia arrancá-las e levá-las até os túmulos. Mas ele prefere deixar as flores vivas, unidas à sua planta de origem; prefere permitir que elas continuem vivendo mas, num gesto simbólico, dedicar a beleza e a vida delas aos mortos humanos, aos que já se foram. E ele deposita as flores, apenas metaforicamente, aos pés dos mortos queridos.

Isso é o gesto poético. E ele se equivale, de maneira antipodamente semelhante, ao gesto modernista e irreverente de Marcel Duchamp quando pegou um mictório de porcelana e o enviou a uma exposição de arte sob o título de “Fonte”. 

O que houve de artístico nesse gesto de Duchamp (que, infelizmente, produziu uma gigantesca bola-de-neve de mal-entendidos, porque cada sujeito preguiçoso julgou-se no direito de pegar qualquer objeto encontrado e chamá-lo de obra de arte)?  

Duchamp percebeu que um ingrediente essencial da arte é essa intenção, esse modo-de-ver, essa decisão íntima do artista projetando significado no gesto de depositar flores invisíveis ou de sagrar como arte um objeto banal.

Note-se que Bashô não se limitou a pensar no gesto de dedicação das flores: ele escreveu um haikai descrevendo esse gesto. O haikai substitui o gesto, de forma artisticamente satisfatória (pelo menos pra mim). Um gesto convencional (levar flores aos finados) tornou-se artístico quando não foi executado e foi substituído por uma obra de arte (o poema). 

No caso de Duchamp, a obra de arte (uma pintura, uma escultura, etc.) que alguém talvez esperasse dele não foi executada: foi substituída por um gesto banal, o de enviar alguma coisa. Dois fatos artísticos, um sendo o contrário do outro, e os dois se equivalendo.

A extrema sutileza de ambos passou despercebida não só pelos críticos que os combateram, como também pelos pseudo-discípulos que tentaram imitá-los. Porque do ponto de vista artístico um gesto assim só pode ser pensado uma vez, um momento poético assim pertence por inteiro a quem o concebeu, e não pode ser imitado ou transformado em gênero, em ideologia, em atitude. É arte porque é único. E morreu aí. 





sábado, 26 de julho de 2014

3561) Achei dentro dum livro (26.7.2014)



Quando estou folheando os livros das minhas estantes encontro de tudo um pouco. 

Como tenho o costume de fazer anotações, uso muitas vezes como marcador de página uma pequena ficha pautada, onde vou anotando detalhes ou os números de páginas onde há algo interessante, quando é um livro que por um motivo ou outro não quero rabiscar. (Quando é um livro comum, anoto tudo na última página em branco.)  

Mas me acontece muito encontrar fotos, tickets de avião (nos livros que leio durante o voo), bilhetes, contas, canhotos de ingressos de cinema ou de shows, cartões postais, o escambau. 

O websaite Abebooks publicou um levantamento feito com livreiros de livros usados do mundo inteiro, onde eles relatam o que acham nos acervos que vêm parar nas suas mãos. (Aqui: http://tinyurl.com/5q2qlk)

Há a história de uma mulher que comprou um livro antigo num bazar, no Novo México, e encontrou dentro 40 notas de mil dólares. Essas notas, de uma série impressa pela última vez em 1934, valem mais até do que seu valor nominal.  

Outro item valioso foi achado por um livreiro da Califórnia: um cartão de Natal com uma assinatura ilegível, que ele levou anos para identificar como sendo de L. Frank Baum, o autor de O Mágico de Oz. O cartão foi vendido depois num leilão por 2.500 dólares. 

Alguns livreiros são mais honestos do que o normal. Uma livreira de Idaho achou cem dólares num livro e os devolveu à pessoa que deixara o livro em consignação. (Tenho certeza de que muitos leitores dirão: “Ah, não tinha que devolver! Se o dono do livro não viu o dinheiro, azar o dele!”)

Esses livreiros já acharam dentro de livros antigos uma receita médica datada de 1785, uma carta manuscrita por C. S. Lewis (o autor de Narnia), o texto integral de uma conferência astronômica proferida por alguém em 1895. 

Há também registro de pequenos objetos encontrados entre as páginas, desde um dente de criança até um anel de ouro com um pequeno diamante ou uma tesoura ou uma camisinha não usada ou uma mecha de cabelo ou um biscoito de chocolate ou uma fatia de bacon. 

Um livreiro de Michigan achou num livro sobre futebol um cupom de poupança no valor de 500 dólares, e ao contactar a família descobriu que o cupom estava perdido há onze anos, e eles tinham revirado a casa inteira à sua procura. O achado acabou custeando a entrada de uma das filhas, agora adulta, na universidade.

Um livro qualquer acaba se tornando às vezes um bolso de ocasião, um pequeno cofre, uma cápsula do tempo onde a gente se depara com o estranho, o bizarro, o inesperado. Alguém poderia organizar uma antologia de contos com esse tema. Dou esta idéia de graça.








sexta-feira, 25 de julho de 2014

3560) A volta de Sherlock (25.7.2014)



Foram os fãs de Sherlock Holmes que criaram a “fanfic”, a ficção escrita por fãs utilizando os personagens e o universo que admiram. Depois da morte de Conan Doyle em 1930, seus leitores, insatisfeitos com a impossibilidade de novas adições ao Cânone (o conjunto de 4 romances e 56 contos escritos por Doyle sobre o detetive) começaram a inventar e publicar histórias por conta própria. Hoje, a biblioteca sherlockiana encheria uma livraria de boas dimensões.

Uma novidade recente é o bom romance The House of Silk (2011); no Brasil “A Casa da Seda”, pela editora Zahar, 2012, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges.  Anthony Horowitz, um conhecido autor de romances juvenis da Inglaterra, emula com habilidade e sem exagero o estilo de Doyle, e seu livro é bastante fiel ao ambiente, à época e aos personagens. O especialista Leslie Klinger apontou inúmeros erros de detalhe, mas nenhum livro é escrito para satisfazer totalmente os especialistas; o próprio Klinger deu ao romance uma nota B+ e o considerou “perfeitamente satisfatório”.

Holmes e Watson estão em Baker Street e a chegada de um cliente os envolve em dois mistérios que parecem correr lado a lado, e que o autor faz convergir de maneira surpreendente e plausível, no final. O livro tem as habituais “set-pieces” sherlockianas, como o truque de adivinhar o que Watson está pensando, os disfarces irreconhecíveis, a fuga mirabolante, os comentários aparentemente “non sequitur” feitos por Holmes como se desse pistas enigmáticas sobre suas deduções.

Não gosto muito das paródias que ridicularizam os personagens de Doyle, embora algumas sejam divertidas, como as de Maurice Leblanc, Robert L. Fish e até do nosso cartunista Carlos Estêvão. O grande desafio da fanfic sherlockiana, o que pode elevá-la de fanfic a literatura profissional, é saber captar a época, a dinâmica da dupla de personagens, os esquemas de dedução, as eventuais explosões de ação física e de violência. O mistério sherlockiano é um sub-gênero nobre do romance policial. Parece simples, porque “tudo já está pronto”, mas por isso mesmo exige uma criatividade e originalidade extra do autor. Horowitz se sai bem.  A aventura que concebeu tem um lado cruel e repulsivo que não está presente no Cânone, mas é a cara da época vitoriana. São os “outros vitorianos” estudados por Steven Marcus em The Other Victorians: a Study of Sexuality and Pornography in Mid-Nineteenth-Century England (1966), um submundo criminoso habitado por nobres, fidalgos, pares do Reino e outros adversários poderosos e maquiavélicos, quase capazes de derrotar Sherlock Holmes num combate sem trégua e sem mercê.  Eu disse: quase.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

3559) Smartfone (24.7.2014)




Será que a grafia “smartfone”, que já vejo sendo usada por aí, vai substituir “smartphone”, o termo original em inglês?  A tendência natural da nossa língua, ao assimilar palavras estrangeiras, é escrever da maneira que se pronuncia: futebol, gol, chofer, etc.  Uma partícula escrita com intenção de pronúncia inglesa atrapalha o usuário, está pedindo para ser mudada. Temos aí um ponto de inflexão, algo que está assumindo uma forma que, por algum motivo, tende a não se fixar, a ser substituída por alguma outra. Aquilo que o I-Ching chama de linhas instáveis ou mutantes, pequenos detalhes que estão a ponto de se transformar noutra coisa.

Daí que eu prefira escrever “websaite” e não “website”, e já expliquei esta opção num artigo recente (http://tinyurl.com/nh6nno8). Me parece que trocar um “ph” por um “f” é muito mais simples, uma transição quase imperceptível, ajudada aliás pela nossa reação subliminar de considerar as coisas escritas com “ph” como antiquadas.  Imagino quanto tempo levará para a língua brasileira a eliminar esse “ph” de “photoshop” e adotar de vez a grafia “fotoshop” (na qual “s” seria mantido para evitar a confusão com “chope”, a bebida.).

É bom lembrar que as letras K, W e Y foram (ao que me consta) recuperadas para nossa língua por uma dessas reformas ortográficas recentes. Não creio que a partícula “web”, por exemplo, venha a ser substituída por “ueb” ou “uébi”, como querem alguns usuários. Creio que o “w” em casos assim tende a se fixar. Por outro lado, as grafias que induzem a pronúncias erradas deveriam ser substituídas, daí que eu prefira escrever draive, pendraive, saite, etc.  (Mas nem sempre cola – os implacáveis revisores restituem a forma anterior com fervor inquisitorial.)

E o que fazer com “iPhone”?  Esse “i” minúsculo que se pronuncia “ái” é uma marca visualmente muito característica; na verdade considero esta uma palavra composta mas sem hífen, a junção sendo assinalada pela manutenção da inicial maiúscula no segundo termo. Pode ser que um dia digamos (com coerência acústica) “aifone”, ou, por escrito, “aiFone”, mas duvido. Esse “ai”, que soa como uma queixa ou lamento (ao invés de induzir o individualista “Eu” do termo em inglês), não vai pegar facilmente em português.

A lógica sugere que “wi-fi” seja um dia trocado por “uai-fai”, mas não sei se teremos essa ousadia coletiva. “Uai”, que sugere interjeição mineira, corre o risco de introduzir um ruído, desviar a atenção do leitor e fazê-lo ter uma primeira interpretação errada da palavra. Como o “w” está se reincorporando ao alfabeto, o termo poderia virar “wai-fai”. Isso cola? Que o tempo o diga.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

3558) Escrever por dinheiro (23.7.2014)



O escritor Neil Gaiman conta que no início de sua carreira, ainda pouco conhecido, recebeu um telefonema de uma editora propondo-lhe trabalho. Queriam saber se ele estava disposto a escrever um livro sobre um artista de rock, uma espécie de biografia. Ele se entusiasmou com a idéia e começou de cara a propor temas: Velvet Underground, David Bowie, Elvis Costello... A editora o interrompeu e disse: “Calma, não é você quem escolhe. Me diga: você quer escrever um livro sobre Barry Manilow, sobre o Def Leppard ou sobre o Duran Duran?”.  Gaiman acabou topando escrever sobre o Duran Duran, que era uma banda relativamente nova, porque, diz ele, “para escrever sobre Barry Manilow eu teria que escutar pelo menos uns 40 discos de Barry Manilow”.  O livro foi escrito, e é Duran Duran: The First Four Years of the Fabulous Five (1984).

Escritores principiantes têm às vezes uma idéia meio maniqueísta sobre os conceitos de trabalho artístico e trabalho comercial. O trabalho artístico seria aquele que “vem de dentro”, como se costuma dizer. Uma idéia que o artista tem por uma mera idiossincrasia pessoal, uma inspiração, um impulso, uma veneta soberana do seu Ego.  E o trabalho comercial seria aquele que ele faz por dinheiro, pressionado por pessoas de moral escusa que percebem o momento financeiramente fragilizado que ele vive; um trabalho que não se distingue da prostituição, da venda de favores sexuais para pagar o aluguel, o condomínio e o seguro do carro.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, pessoal. O que a vida real nos propõe são situações próximas do episódio relatado por Gaiman. Na minha experiência, recebo o tempo todo propostas como aquela. Nem somos totalmente livres para escolher, pois se trata se um projeto alheio para o qual estamos sendo convidados, nem somos obrigados a aceitar tudo – há sempre uma margem de múltipla escolha onde podemos escolher o que mais nos agrada, ou o que menos compromete a nossa reputação. E, no caso do artista freelancer, existe a possibilidade de dizer: “Ih, rapaz, não achei muito interessante. Chama outra pessoa, mas na próxima vez me fala de novo, pode ser que role.”

O escritor profissional não vive apenas de ter idéias geniais na calada da noite, vive do telefone que toca às três da tarde convidando-o para fazer algo em que ele nunca tinha pensado. O profissionalismo começa no momento de aceitar ou não, de ter a coragem de recusar quando o trabalho não convém, e a disposição para fazer o melhor possível depois que aceita. Até mesmo as garotas do “trottoir” têm a chance de escolher se querem entrar no carro daquele cara, ou se acham que é uma roubada.


terça-feira, 22 de julho de 2014

3557) Jogador que se joga (22.7.2014)



(Robben, o bailarino)

O jogador brasileiro confirmou e carimbou, nesta Copa, a sua fama de “flopper”, de jogador que se joga ao chão sem ter sofrido falta, fingindo ter sido atingido, para induzir o juiz à marcação de um pênalte.  Entre nós, na nossa cultura da malandragem, isto é visto como esperteza, como inteligência. Quem age assim tenta fazer de otário o jogador do outro time (que poderia ter feito a falta, optou por não fazê-la, e foi punido por isso) e o juiz (que acreditou na mentira).  

Essa malandragem de “cavar pênalte” é da mesma categoria do sujeito que paga o restaurante com cheque sem fundo, do sujeito que falta ao trabalho porque tomou uma carraspana e pede atestado médico a um doutor amigo, do sujeito que combina com alguém para que roube seu carro, embolsa o seguro e ainda vende o carro por baixo do pano. É disso que muitos brasileiros se orgulham.

Pois olhe, se eu fosse jogador de futebol e entrasse na área com a bola dominada eu faria como faz Lionel Messi – alguém só me derrubaria com um tiro de espingarda 12. Quem parte pra fazer o gol quer fazer o gol, mas esses atacantes de hoje quando sentem o bafo do zagueiro desabam como florzinhas no vendaval. Nesta Copa do Mundo, o ridículo pênalti marcado a favor do Brasil no jogo de estréia contra a Croácia (pênalti salvador, aliás), numa encenação patética de Fred, acabou sendo prejudicial a longo prazo. Pênaltis verdadeiros a nosso favor acabaram não sendo marcados, porque nosso time perdeu a pouca credibilidade que já tinha. É um tanto humilhante sair navegando pelos websaites de futebol mundo afora e perceber que nós, os ex-reis do futebol, somos hoje objeto de zombaria do mundo inteiro (antes mesmo dos 7x1), como covardes e desonestos, que têm medo de tentar o gol.

São só os brasileiros? É somente Neymar que é “cai-cai”?  Claro que não.  Esta Copa nos trouxe de volta o holandês Robben, um notório cavador de pênaltis graças a suas quedas acrobáticas (ganhou um de graça contra o México). Mas esse traço indica um indivíduo (ou todo um grupo social) que tem medo de ousar e prefere transferir a responsabilidade para alguém. O jogador-que-se-joga poderia tentar o gol, mas tem medo de perder e ser cobrado; acha melhor fingir que sofreu um pênalte e jogar a responsabilidade nas costas de um colega. É curioso que, apesar da aparente facilidade do pênalte, inúmeros atacantes desfrutam de uma chance muitíssimo melhor do que a cobrança de um penal, mas a covardia os inibe de tentar. Pode ser um sintoma daqueles povos que acham que o Governo é quem tem de resolver todos os problemas, e ele, cidadão, não tem dever algum, tem só direitos.


domingo, 20 de julho de 2014

3556) Questões de tradução (20.7.2014)



Por que traduzir um livro já traduzido? Os leigos se dividem. Uns dizem que é porque a primeira edição tinha erros, e que a segunda deverá ser igual à primeira, menos esses erros. Outros, que a tradução existente é muito antiga e é preciso trazer aquela obra para “a linguagem moderna de hoje”.  

Tudo isso é possível, mas do ponto de vista meramente literário uma obra qualquer propõe um jogo recriativo com diferentes graus de dificuldade para cada idioma e cada tradutor. Como ficaria “Meu Tio, o Iauaretê” de Guimarães Rosa em russo, ou Exercícios de estilo de Queneau em mandarim?

Vou citar um exemplo simples, que um amigo me propôs recentemente. “I was devastated with the news of my grandmother’s death”Um tradutor pode dizer: “Eu fiquei devastado com a notícia da morte da minha avó.”  Outro diria: “Eu fiquei arrasado com a notícia da morte de minha avó.”  

Qual dos dois está mais certo?  Em termos literais, ambos estão igualmente certos, têm sentido equivalente, mas o verbo “arrasar” e o adjetivo “arrasado” se tornaram muito mais frequentes na nossa linguagem coloquial. “Fiquei arrasado”, portanto.

O verbo devastar não aparece muito em nossa linguagem afetiva, sobre assuntos pessoais. É quase um verbo técnico: “Um tornado devastou na tarde de ontem uma região de Illinois...”  Em português de agora, “fiquei devastado” tem intenção metafórica bem clara, mas não corresponde a um modo de falar familiar e espontâneo. Se a intenção do autor é dizer uma frase que não chame a atenção, melhor dizer “arrasado”. Nada impede que quarenta anos atrás devastar e arrasar fossem igualmente comuns, ou que voltem a sê-lo daqui a mais quarenta.

O tom das palavras muda, o seu peso, a dramaticidade da idéia que se quer passar. E os inventores de expressões (tanto na literatura quanto na fala das ruas) vão procurando formas mais inesperadas, mas plausíveis, de dizer a mesma coisa. 

"Eu virei um hindemburg quando minha avó morreu." 

"A quebra da minha firma ano passado foi um naufrágio titânico." 

"Rapaz, o resultado do jogo de ontem me obliterou." 

Expressões assim chamam a atenção na primeira vez que são usadas; com o tempo podem se tornar tão neutras quanto “fiquei arrasado”.

É possível que algum tradutor use devastado por outras razões.  A história pode estar se passando em 1920.  Talvez em inglês o sentido da palavra tenha se mantido mais ou menos uniforme; mas como “arrasado” ganhou hoje uma roupa de coloquialidade, se o romance se passa muito tempo atrás, dizer “fiquei devastado” pode ficar um pouco “de época”, evocar indiretamente uma maneira mais floreada de falar, ao invés de um coloquialismo datado de hoje.







sábado, 19 de julho de 2014

3555) João Ubaldo (19.7.2014)



O falecimento de João Ubaldo Ribeiro entristeceu todo mundo que gosta de literatura, inclusive eu, que conheço tão pouco sua obra. Nunca li Viva o Povo Brasileiro, por exemplo, que dizem ser o seu “grande livro”, o que não duvido, pelos longos trechos que cheguei a conhecer aqui e ali. Li o Sargento Getúlio nos anos 1970 e achei extraordinário. Li uma porção de contos, e depois me habituei a ler suas crônicas na imprensa. Li em parte seu romance de ficção científica, O Sorriso do Lagarto, de que não gostei muito, mas merece ser reavaliado.  Mas não posso dizer que conhecia bem a obra dele. Conhecia o estilo, que era exuberante, aos borbotões, baianamente derramado, cheio de malícia, de irreverências divertidas, de uma ironia com os poderosos bem próxima à de Jorge Amado. Como este, ao que parece, tinha o hábito de citar pessoas reais nos seus romances, recurso que (já me disseram) é receita infalível de sucesso, pois cada cidadão citado torna-se um entusiasta divulgador do livro.

Ubaldo traduziu, ele próprio, seu romance principal para o inglês, com o título An Invincible Memory – uma façanha espantosa. Vi-o dizer, numa entrevista, que foi uma doidice e que jamais faria aquilo de novo. Talvez tenha preferido isto por não saber se um tradutor estrangeiro seria capaz de encontrar equivalentes à altura para seu vastíssimo vocabulário de termos, entonações, sintaxes e prosódias populares.  Ele misturava esse português inculto e plebeu ao português castiço.  Gente da geração dele (e da minha) assimilou os clássicos lusitanos no colégio, viu depois que não tinha nada a ver com a língua falada na rua pelo povo de verdade, mas resolveu manter como uma língua paralela. No Brasil a gente tem a liberdade de usar “xibiu” e “circunlóquio” na mesma frase! Uma espécie de miscigenação linguística, um contubérnio adúltero entre a retórica do invasor e o fraseado do invadido.

Ubaldo era um sujeito sem papas na língua (acho que ouvindo esta expressão ele daria uma risada grossa e faria uma piada eclesiástica qualquer). Queixou-se uma vez de que entregou à editora o primeiro rascunho de um livro, pra dar uma idéia do que seria, viajou para descansar, com idéia de fazer revisão do texto na volta, e ao chegar encontrou o livro nas livrarias, com o texto-bravio “ipsis litteris”. Brigou? Não, deu uma gargalhada e ficou mangando.

Minha última leitura dele foi A Casa dos Budas Ditosos, um livro-de-safadeza bom danado, muito correspondente às fotos do autor que na manhã de hoje brotam por toda a imprensa eletrônica, uma cara sorridente, maliciosa, regozijada, com um riso quente e uma voz de quem já foi e já voltou.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

3554) Contracapa de tablet (18.7.2014)



é difícil manter a elegância e ao mesmo tempo evitar um naufrágio  &  precisamos de robôs capazes de fazer palavras cruzadas enquanto esperam nossas ordens  &  quando falta luz no prédio a gente regride 200 anos em cinco minutos  &  quando a gente, em vez de ficar esperando, vai fazer outra coisa, a água ferve muito mais depressa  &  um labirinto de corredores de caverna onde ecoa ainda a voz de um xamã morto há cem anos  &  sonhei que uma voz me sussurrava: “só conta pra velhice o tempo em que você não estiver pensando”  &  a Beleza é um disfarce sutil da Verdade  &  esse problema não é nada que um pedido de desculpas público, daqui a trinta anos, não possa amenizar  &  você começa bebendo porque não se sente bem; depois, bebe para se sentir bem; depois, pra não se sentir mal  &  um folhetim gótico intitulado “A Legenda do Monastério”  &  um filme onde a câmera evitasse os atores e mostrasse apenas as suas sombras  &  não basta o cara ter que ser um tamanduá, precisa também comer formiga todo dia  &  a política é um esporte em que um dos times joga todos os jogos em casa  &  tem gente que procura equilibrar a vida ingerindo quantidades cavalares de açúcar e de sal  &  ser escritor de FC lendo apenas FC é como um exército ir para a guerra levando o dobro da munição e nenhuma comida  &  malandra é a chuva, que cai mas não se quebra  &  às vezes é até bom um terremoto para zerar um impasse legislativo  &  o Brasil vai acabar com a senzala e não consegue se livrar da casa grande  &  um presidente está para o governo assim como o sinalizador de aeroporto está para os aviões  &  quem propôs o nome “ornitorrinco” estava apenas tentando reagir à altura do que via  &  eu queria um teclado que me permitisse escrever dormindo  &  acordo todos os dias ao som de clarins que não sei se são de guerra ou de café na mesa  &  certos livros de FC parecem um foguete interplanetário fazendo a circular do bairro  &  o clichê é tão necessário a alguns animais quanto a respiração  &  o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente, mas a definição de corrupção é relativa  &  nada mais parecido do que café frio e cerveja morna  &  sempre compareci aos meus desencontros comigo mesmo  &  pior do que o medo da tortura é o medo do ridículo, e pior do que a morte é a risada alheia  &  temos mais pena de um cão doente do que de um mendigo porque o mendigo disputa espaço conosco  &  eu só direi que o país vai mal quando os mortos forem deixados apodrecendo nas calçadas  &  depois de conversar com ela por meia hora percebi que o que eu estava fitando não eram os olhos, eram os seios mesmo  &


quinta-feira, 17 de julho de 2014

3553) A entropia do futebol (17.7.2014)



Há um livro, se não me engano de Neil Gaiman, em que o mundo está passando por um aumento da entropia.  Entropia é a medida da desorganização do Universo, em que há uma dissipação da energia e todas as coisas vão ficando mais caóticas e indiferenciadas. Quando a gente deixa uma xícara de café em cima da mesa, ela se degrada, esfria sozinha, perde energia. No mundo descrito por Gaiman, as fitas cassete com música gravada (clássica, popular, etc.) se guardadas por mais de duas semanas sem ninguém mexer nelas, se degradam – transformam-se todas em The Best of Queen.

O que me lembra um clássico da FC: Ubik de Philip K. Dick.  No universo em que vive o protagonista, acontece algo semelhante. O universo está involuindo, está sofrendo um aumento de entropia que faz as coisas se tornarem progressivamente mais antigas, mais atrasadas. A história se passa no futuro mas à medida que a entropia aumenta o personagem anda na rua e as pessoas começam a aparecer com roupas dos anos 1940, os carros viram carros daquela época, e assim por diante. Quando ele toma o remédio chamado “Ubik”, uma espécie de tônico miraculoso, aí tudo bem: carros, roupa, arquitetura, anúncios nas ruas, tudo volta a pertencer à época em que a história acontece.

Posso estar sendo pessimista, mas acho que estamos passando por um período ubikiano no futebol.  Esta Copa mostrou grandes times campeões do mundo jogando um futebol muitíssimo abaixo do que praticavam pouco tempo atrás, inclusive o Brasil.  Há uma diferença ubikiana entre nossa Seleção da Copa das Confederações e a da Copa do Mundo. O que dizer da fortíssima Espanha, campeã mundial em 2010, que chegou no Brasil e virou saco de pancadas, como se fosse uma espécie de Íbis?  Os grandes craques como Cristiano Ronaldo, Messi, Iniesta, etc., todos estavam atuando na Copa como versões bizarras de si mesmos. E não me venham falar dos poucos times ou poucos craques que jogaram bem. São a exceção que confirma a regra. (Se eu fosse rico destinaria alguns milhões de dólares ao sujeito que inventou essa frase, um 171 filosófico que permite à gente afirmar qualquer coisa e escapar impune.)

Nosso futebol, em especial, está passando por uma degradação espontânea, uma entressafra sem fim, uma fase Ubik, e urge descobrir o tônico fantástico que nos trará de volta ao jogo bonito que poderíamos estar praticando em 2014. Esta regressão entrópica, da qual nem a Seleção Brasileira escapou, está fazendo com que mesmo algumas das melhores equipes do mundo pisem no gramado para praticar um futebol bumba-meu-boi digno dos melhores (piores) momentos de algumas peladas da Concacaf ou da Oceania.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

3552) O desejo e o objetivo (16.7.2014)



Uma das piores coisas que podem acontecer durante uma discussão sobre literatura e mercado editorial é alguém aludir a Stephen King, J. K. Rowling ou Paulo Coelho para dar exemplo seja lá do que for. Esse pessoal que vende milhões passa para o autor novato a idéia de que o objetivo dele deve ser, também, vender milhões de cópias, o que é um erro. Na pressa de atingir esse número irreal, ele vai se oferecer pra “transar com Deus e com o lobisomem”, como dizia o parceiro do autor de O Alquimista. Não vai conseguir, e talvez acabe entrando para o clube azedo e ressentido dos que dizem: “Pois é... um país que não lê... ah, se eu escrevesse em inglês...”

Vender dez milhões de exemplares não pode ser o objetivo de ninguém que publica um livro, ainda mais se for um livro de estréia. É um objetivo irreal, que chega à beira do absurdo, mas mesmo assim vejo muitos autores jovens e autoconfiantes dizerem: “Se a série Crepúsculo vendeu tanto assim, por que um livro meu não pode vender também?”.  Isso, minha gente, não é um objetivo, é um desejo.  Todo mundo é livre para desejar o que quiser, sonhar com o que bem entender.  Mas isso não pode ser confundido com um objetivo.  Objetivo é algo que está no horizonte do possível, algo que pode ser planejado e cumprido.

Quando Dan Brown ou Stephen King fazem a tiragem inicial de um livro novo com um milhão de exemplares, isso não é um desejo, é um objetivo.  Toda a história anterior da vendagem do autor o autoriza a imprimir um milhão de cópias de uma tacada só. Ele já sabe que é possível vendê-las. (Às vezes encalha; às vezes, dependendo da aceitação do livro, mesmo Brown ou Coelho levam anos para vender essa tiragem inicial. Mas o objetivo era fundamentado, sim.)

Meus livros têm em geral uma tiragem de 2 ou 3 mil exemplares, que é a tiragem padrão do mercado brasileiro.  Alguns já venderam 40 ou 50 mil, mas nem por isto eu coloco esse número como um objetivo. Se rolar, beleza.  Mas o bom senso aconselha, a mim e aos editores, ir de pouquinho, sentindo a resposta do público, e preparando tiragens maiores se a gente vir que a aceitação é boa.

Colocar Paulo Coelho e seus não-sei-quantos-milhões de livros vendidos na conversa é despertar um desejo confuso e infantil de sucesso instantâneo, sucesso com pouco esforço. Duvido que algum novo autor se dispusesse a fazer a peregrinação que Paulo Coelho fez, com o Diário de um Mago embaixo do braço, de livraria em livraria, de rádio em rádio, de jornal em jornal, de TV em TV, de amigo em amigo, vendendo caladinho seu peixe, pensando talvez que iria ser um sucesso com 20 mil livros vendidos.


terça-feira, 15 de julho de 2014

3551) Alemanha Ano Zero (15.7.2014)




Em mais uma Copa que não teve uma grande seleção (tipo Brasil em 82 ou Holanda em 74), venceu a mais aplicada e de futebol mais ofensivo, embora com altos e baixos. A Alemanha, merecidamente campeã, teve o melhor ataque, com 18 gols contra 4. A vice-campeã Argentina fez 8 gols contra 4, no total. Fez menos gols na Copa inteira do que a Colômbia fez na fase de grupos (nove).

Valeu a simpatia dos alemães, que estudaram o ambiente e a população e souberam se cercar de um clima positivo. A Argentina promoveu a maior invasão de torcedores; foi a seleção que teve mais torcida, se bem que o Brasil deve ter sido a que teve mais espectadores-a-favor. A Holanda bateu na trave mais uma vez: começou goleando e tirando o sono dos adversários e foi minguando ao longo da competição. Seu ataque, tão talentoso (Robben, Van Persie, Sneider), lhe faltou em jogos decisivos contra Costa Rica e Argentina (0x0).

Dentre os times menores, as melhores surpresas foram a Colômbia, a Argélia, o Chile e a Costa Rica, que acabou virando o “segundo time” de todo mundo. Os grandes que decepcionaram foram a Espanha, a Inglaterra, a Itália, Portugal e Brasil.  Alguns times estão numa escalada de qualidade que vale a pena vigiar, como é o caso dos EUA e da Bélgica.  Os times africanos, desta vez, vieram muito fracos, e somente Gana e Nigéria mostraram algum futebol.

Foi uma Copa com excelente média de gols na primeira fase, prejudicada por uma série de 0x0 e 1x0 no mata-mata final. Uma Copa dos goleiros, sem dúvida, e eu escolheria Tim Howard dos EUA como representante da categoria. Uma Copa de más arbitragens, mostrando (para alegria do meu preconceito) a incompetência da Fifa na sua preparação e escalação. Justiça seja feita, a Fifa se redimiu introduzindo duas coisas que deverão se consolidar: o tira-teima eletrônico para saber se a bola entrou no gol, e o spray de espuma para marcar a posição da barreira (que o Brasil já usa há séculos).

Uma Copa que se abriu e se fechou com duas goleadas para entrar na História: os 5x1 da Holanda sobre a campeã Espanha, e os 7x1 da Alemanha sobre o Brasil, jogo sobre o qual ainda vão correr alguns atlânticos de tinta. Houve pelo menos uma dúzia de jogos de altíssima voltagem emocional. Nenhuma violência desmedida, embora a truculência que houve pudesse ter sido bem menor se as arbitragens tivessem um melhor nível. A classificação final foi justa, embora uma justiça amarga para a Argentina, que apostou tudo em Messi e o viu atuando aquém do esperado, e para o Brasil, que como dono da festa mandou a campo uma das seleções mais jovens, menos preparadas e mais emocionalmente equivocadas de toda sua história.


domingo, 13 de julho de 2014

3550) "Sunset Boulevard" (13.7.2014)



Dizem que este filme de Billy Wilder, em sua primeira versão, começava com vários cadáveres conversando num necrotério. Cada um dizia como tinha morrido, e então era a vez de Joe Gillis (William Holden) contar sua história.  As audiências-teste acharam a cena ridícula, o diretor teve que refazê-la, e ficou um dos melhores começos de filmes hollywoodianos. A voz em off acompanha a chegada da polícia à mansão, mostra ironicamente o cadáver boiando na piscina, e diz: “Esse cara morto aí sou eu. Agora vou contar como tudo começou.” (Não exatamente assim; é um texto excelente.)

O filme sobre a estrela decadente Norma Desmond é contado pelo roteirista desempregado e a-perigo Joe Gillis. É um bom sujeito, meio malandro mas fundamentalmente um cara que quer apenas arranjar trabalho para pagar as dívidas e não perder o automóvel. Ele começa como “script doctor” para dar uma organizada no roteiro faraônico escrito pela ex-atriz, e termina como playboy teúdo e manteúdo. Prisioneiro, como se fosse um personagem de Twilight Zone, de uma mansão parada no tempo, de onde quem ousa entrar não consegue sair.

A estrela, que aparece com um turbante que não deixa de lembrar Carmen Miranda, o contrata porque ele é de Sagitário.  As portas internas da casa não têm fechaduras. “Madame tem crises de melancolia, e já tentou o suicídio”, diz o mordomo (que parece um general prussiano) Max von Mayerling, interpretado por Erich von Stroheim.  Aconselho ver a versão comentada do DVD, onde um crítico mostra todas as intrusões da vida real no filme, desde a lanchonete onde o pessoal de Hollywood comia e bebia na madruga até aparições rápidas de Cecil B. de Mill e Buster Keaton interpretando a si mesmos. O filme, aliás, faz referências visíveis ao passado dos próprios atores, que interpretam caricaturas de si mesmos.

É um dos filmes mais cáusticos já feitos sobre Hollywood, e é de admirar que tenha sido feito nos mesmos estúdios (no caso, a Paramount) cuja vida ilha-da-fantasia ele se propõe a criticar. Algumas cenas estão a um passo do surrealismo de Buñuel em L’Âge d’Or: o baile de reveillon para duas pessoas, o velório do macaco, o jogo de baralho dos ex-atores. É a Hollywood de baixo vingando-se com sarcasmo da Hollywood de cima.

De modo cruel, o único sopro de vida normal, de ar puro, é a paixão de Gillis por uma roteirista jovem, com quem ele começa a escrever um filme às escondidas. Por trás da Hollywood das estrelas egocêntricas e dos produtores superpoderosos, Wilder enxerga o que ele considera a Hollywood boa-praça, a dos roteiristas e diretores como ele mesmo, envolvidos na briga-de-cachorro-grande dos egos alheios.


sábado, 12 de julho de 2014

3549) Escritores futebolistas (12.7.2014)




(João Cabral, no Santa Cruz, aos 15 anos)


Na juventude, Sir Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, jogou de goleiro pelo Portsmouth, um clube amador de Southsea, sob o pseudônimo de A. C. Smith.  Doyle era um entusiasta dos esportes; seus Contos do Ringue e de Guerra têm histórias ótimas sobre o tempo em que o boxe era praticado sem luvas e sem limite de assaltos. A Curiosa História de Rodney Stone, que retrata essa época, é um dos seus melhores romances históricos.

Albert Camus, Prêmio Nobel de Literatura, autor de O Estrangeiro, jogou como goleiro num time universitário na sua Argélia natal, o Racing Universitaire Algerios (RUA). Teve que interromper sua carreira esportiva em 1930, devido à tuberculose. “Logo aprendi que a bola nunca vem na direção que a gente espera,” disse ele. “Isso me ajudou na vida, acima de tudo na metrópole, onde as pessoas nunca são o que parecem ser.”  

Outro Prêmio Nobel, desta vez de Física, o dinamarquês Niels Bohr, foi goleiro no Akademisk Boldklub em 1906; conta-se que ele certa vez deixou passar uma bola fácil porque estava distraído, resolvendo um problema de matemática.

Não propriamente um escritor, embora tenha publicado livros, Karol Wojtyla (Papa João Paulo II) foi outro que jogou como goleiro de clubes universitários na juventude, e era um torcedor do Cracóvia. Fã de futebol, ele acompanhava os jogos do Liverpool quando seu conterrâneo polonês Jerzy Dudek era goleiro do time do rio Mersey, e tornou-se sócio honorário do Barcelona depois que rezou uma missa no estádio Nou Camp. 

João Cabral de Melo Neto foi outro goleiro que defendeu as cores do América e do Santa Cruz do Recife, pelo qual foi campeão juvenil em 1935, e escreveu alguns belos poemas tendo o futebol como tema.

Vladimir Nabokov também jogou no gol, em São Petersburgo e depois em Cambridge, e em suas memórias (Fala, Memória!) disse: 

“Eu era louco pela posição de goleiro, uma arte galante que na Rússia e nos países latinos é cercada de um halo singular de glamour. Distante, solitário, impassível, o goleiro é seguido nas ruas por garotos maravilhados. Assim como o toureiro e o piloto de provas, ele é objeto de uma adulação emocionada. Seu suéter, seu boné, suas joelheiras, suas luvas enfiadas no bolso traseiro do calção, tudo o distingue do restante da equipe. Ele é a águia solitária, o homem misterioso, o derradeiro defensor. Fotógrafos ajoelhados em reverência o captam num mergulho espetacular, desviando com a ponta dos dedos um chute relâmpago, e o estádio estronda em aplausos enquanto ele se deixa ficar caído no chão por alguns segundos, tendo mantido intocada a sua baliza.”







sexta-feira, 11 de julho de 2014

3548) 7x1 (11.7.2014)




A catastrófica derrota do Brasil para a Alemanha, na semifinal da Copa, foi um desses pesadelos que já tive inúmeras vezes na vida, sempre que nossa Seleção ia enfrentar um time bom e estava mal das pernas. Vinha o jogo, e acontecia uma surrazinha normal de 2x0 ou 3x1, que todo mundo lamentava e eu comemorava com alívio, pensando na hecatombe que tinha sonhado na véspera.  Mas é mania dos pesadelos baterem em tantas portas que um dia encontram uma que se abre. Foi assim com a porta deste 8 de julho. Paciência.

Parece que há um ciclo de dezesseis anos nos trazendo essas derrotas tão dolorosas. Começou com 1950 no Maracanã, 2x1 para o Uruguai (o jogo de Ghiggia).  Dezesseis anos depois, em 1966, tivemos os 3x1 para Portugal (o jogo de Eusébio). Com mais dezesseis, veio o 3x2 para a Itália em 1982 (o jogo de Paolo Rossi). Dezesseis anos depois, em 1998, veio a decisão dos 3x0 para a França (o jogo de Zidane). E com mais dezesseis, agora em 2014, veio essa histórica goleada alemã, e desta vez não houve um carrasco específico, o time quase todo fez gol. Vamos abrir o olho com a Copa de 2030, portanto.

O futebol é tão imprevisível que se o time de Felipão tivesse derrotado esta Alemanha de Joachim Löw não nos faltariam razões. Diríamos que Fulano e Sicrano confirmaram as boas atuações, que Beltrano desencantou, que os alemães suaram para empatar com Gana e vencer a Argélia... Nunca sabemos quando o time vai desencantar. Afinal, já houve tantas vezes em que vínhamos catando cavaco, ganhando mal de equipes pequenas, e de repente o sapo virou príncipe.,, Já fomos campeões assim. (Em 1994 e 2002, para ser mais preciso.)

Triste não é perder um jogo, é perder o próprio futebol.  O Brasil inventou o que os gringos chamam de “Beautiful Game”, exportou-o para Espanha, Alemanha, Holanda, e o trocou domesticamente pelo futebol truculento e retranqueiro de Felipão e Parreira. Até admiro as qualidades dos dois, que afinal de contas nos deram Copas, mas quando se juntaram agora parece que houve uma soma dos defeitos e um cancelamento das qualidades.  A Seleção de 2014, pelo meu gosto, jogou bem apenas no segundo tempo contra Camarões e no primeiro contra a Colômbia.

Foi uma Seleção violenta, quase desleal, que só ganhou da Colômbia criando um clima de pancadaria que acabou se voltando contra Neymar. Uma seleção militarizada, que entrava em campo com mãozinha no ombro, como cadetes sob o olhar do sargento. Uma seleção onde o marketing, os contratos publicitários, e a convivência com os vips (essa turma de sanguessugas do talento alheio) acabaram amordaçando o Jogo Bonito. Vamos em frente.  E, como sempre, que ganhe o que jogar melhor.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

3547) Ser goleiro (10.7.2014)




(Harry Gregg, do Manchester United)


Digam o que disserem (“No lugar onde ele pisa não nasce mais a grama”), o goleiro é o jogador mais visível de um time de futebol, o mais personalizado.  Talvez só o centroavante o supere em “pathos” e como possível fonte de inspiração literária. Um artigo de Benjamin Healy (http://tinyurl.com/kt6w2or) dá um balanço na complexa mitologia dessa posição, citando alguns dos seus praticantes mais famosos (Albert Camus, Vladimir Nabokov) e uma dúzia de livros escritos por ou sobre goleiros. Uma massa de informações que daria um ótimo tema para uma tese de mestrado.

Healy faz um passeio por alguns grandes nomes da História e também comenta o drama de alguns já esquecidos. (O nosso Barbosa, da seleção de 1950, ganha um retrato compassivo e honesto.) Outro brasileiro citado é Sérgio Sant’Anna com seu conto barbosiano “No último minuto”, em que um goleiro fica zapeando de canal em canal, revendo o gol que sofreu, na esperança de que em algum daqueles universos paralelos a bola não tenha entrado.

O autor lembra O medo do goleiro antes do pênalti, livro de Peter Handke filmado por Wim Wenders em 1972, e cita The Outsider de Jonathan Wilson, uma história abrangente dessa posição: “O livro de Wilson está cheio de histórias de goleiros que beberam até morrer (Arthur Wharton), morreram em acidente de avião (Frank Swift), foram feridos com uma garrafa quebrada (Robert Mensah), ficaram paralíticos sem razão aparente (Toni Turek) ou levaram um chute na cabeça e foram enterrados na vala comum (Jaguaré)”.  Ele lembra que Gordon Banks perdeu a visão de um olho e que Bert Trautmann jogou os últimos 16 minutos de uma decisão com o pescoço quebrado.

Alguns goleiros parecem personagens de ficção, como David Icke, que jogou no Coventry e depois tornou-se um personagem conhecido na mídia inglesa, defendendo teorias da conspiração e sugerindo que a família Bush e a família real inglesa são compostas de alienígenas reptilianos. Lembra também os goleiros mais espalhafatosos da História: o paraguaio José Luis Chilavert, o mexicano Jorge Campos, o colombiano René Higuita. Há histórias trágicas, como a de John Thomson que morreu com o crânio fraturado, ou o alemão Robert Enke (ex-Borussia, Benfica, Barcelona) que depois de uma série de derrotas e de depressões acabou se suicidando.

O goleiro talvez seja em todo o time o personagem mais sujeito à tragédia grega, mas sei lá, talvez até isso seja melhor do que o anonimato de ser volante ou cabeça-de-área. Num esporte como o futebol, onde há espaço tanto para o brilho coletivo quanto para o individual, ele parece flutuar numa dimensão diferente dos demais, como o cavalo no xadrez.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

3546) "O Livro das Provas" (9.7.2014)



A história de detetive é chamada de “whodunit” (por girar em torno de “quem fez”, quem praticou o crime) ou “howdunit” (“como fez”, como o crime foi praticado – entram aí todas as histórias de crimes impossíveis, crimes de quarto fechado, etc.). E existe também o chamado romance policial psicológico, o “whydunit”. Por que fez? Qual a razão do crime? O que se passa no interior da mente de quem mata?

The Book of Evidence de John Banville (O Livro das Provas, Ed. Record, 2002, tradução de Maria Alice Máximo) é um romance curto e denso (220 páginas), e se apresenta como o testemunho de um criminoso, Freddie Montgomery, que se dirige ao juiz e ao júri para explicar as razões do crime que cometeu. Banville é um estilista rico em recursos, e o criminoso vai brotando de frase em frase, de parágrafo em parágrafo, numa narrativa autoexplicativa que nos deixa perplexos.

Freddie é um exemplo consumado de “narrador não-confiável”, não porque minta, mas porque, como acontece com todo narcisista, seu entendimento das coisas é deformado pelo gigantesco campo gravitacional do seu ego. “Nunca imaginei que aconteceria algo tão vulgar quanto uma investigação policial”, diz ele em plena preparação do crime.  Quando uma vítima o atrapalha um pouco, ele reclama: “Não é justo que uma coisa assim aconteça!”.

A história tem alguns aspectos improváveis, mas foi baseada em fatos reais, um crime célebre na Irlanda nos anos 1980, uma série de acontecimentos que alguém na época definiu como “grotescos, sem precedentes, bizarros e inacreditáveis”. O lado exterior dos fatos foi bastante comum; mas todos se perguntavam: “Afinal de contas, para que diabo ele fez isso tudo?”  Um desses crimes cuja gratuidade desconcerta qualquer análise. Crimes sem propósito nos fascinam. Somos capazes de entender quem mata por dinheiro, por ódio ou por ciúme, mas crimes sem razão aparente nos aterrorizam com o abismo espantoso do absurdo.

O livro de Banville é uma espécie de O Estrangeiro de Camus sem aquela aridez de xilogravura em preto e branco. Ao invés de Meursault, que quase nada diz de si mesmo, Freddie escancara seus pensamentos com volúpia diante do leitor, soterra o leitor com seu exibicionismo, sua vaidade, sua pose de dândi que acha que o mundo lhe deve tudo, suas inseguranças de menino mimado que arranca asas das moscas. Banville faz isso com uma prosa brilhante, nítida, cheia de símiles inesperados e vívidos, de revelações indiretas que nos fazem ver o assassino (e a humanidade) com receio, com pena, com revolta e com uma incômoda sensação de familiaridade. Todos nós conhecemos meia dúzia de pessoas como Freddie Montgomery.