Numa entrevista famosa à Revista Civilização Brasileira, por volta de 1966 ou 67, Caetano Veloso (então um jovem compositor que surgira em festivais mas não tinha gravado nenhum disco) afirmou: “O que precisamos é retomar a linha evolutiva da Música Popular Brasileira”. Esta expressão tornou-se slogan, abre-te sésamo, abracadabra, pedra-de-toque, palavra-de-ordem para intermináveis discussões nas quatro décadas seguintes. Prova de sua importância é o fato de que aqui estou, exumando-a mais uma vez e constatando que seu motorzinho ainda funciona.
Caetano queria dizer, acho, que a MPB precisava de novas sonoridades e estruturas de composição, uma nova poética nas letras, uma nova concepção cênica, enfim, todas essas coisas que o Tropicalismo acabou trazendo. A MPB da época parecia fechada no esquema voz-e-violão, ou regional-de-choro, ou trio-de-samba-jazz, e assim por diante; e Caetano via na música pop internacional um enorme florescimento de formas musicais que aos nossos músicos era vedado utilizar “porque não eram brasileiras”, ou algo assim.
Da frase de Caetano eu só questiono, hoje, a expressão “evolutiva”, que dá a idéia de que qualquer mudança que acabou ocorrendo foi para melhor. Esta termo darwiniano é muito perigoso porque justifica retrospectivamente tudo que de fato acontece. Houve evolução, então houve melhora, houve progresso. Ora, nem sempre é assim. A MPB mudou por conseqüência quase inevitável do que aconteceu no mundo naquele tempo. Se não existissem Caetano, Gil e o Tropicalismo, aconteceria outra coisa. Raul Seixas talvez suplantasse Chico Buarque junto aos críticos e Roberto Carlos junto ao público. Como vamos saber?
Talvez fosse melhor dizermos que era precisar retomar a “linha adaptativa” da MPB. Porque mesmo no conceito darwiniano de Evolução, esta não é senão uma série de adaptações a que uma espécie é submetida pelo meio ambiente, sendo que umas desaparecem e outras sobrevivem. Das que sobrevivem, dizemos que evoluíram em relação aos seus antepassados.
A MPB não evolui, ela se adapta. Adaptou-se ao jazz dos anos 1950, ao rock dos anos 1960, ao pop dos anos 1970, ao reggae dos anos 1980, ao hip-hop dos anos 1990 e assim por diante, para não falar em outros modismos. Adaptou-se porque ela própria floresce num mercado invadido. Invadido de fora pela produção estrangeira, e invadido por dentro pela música caça-níquel que os próprios brasileiros inventam, maravilhados com os enormes lucros que a prática do gangsterismo musical proporciona.
Dizer que uma música evolui é dizer que existe uma única direção certa, e que ela está se encaminhando para lá. Mas um processo como este não tem a forma de uma seta apontando o futuro. Tem a forma de uma ameba, algo que pode se expandir e alongar em qualquer direção que lhe convenha no momento, de acordo com os estímulos e pressões que recebe. A MPB adapta-se, sobrevive, e muda. “Evoluir” é uma utopia que só vale para pequenos grupos.