sexta-feira, 29 de agosto de 2014

3590) Meu pequeno crime (29.8.2014)



Eu tinha pegado um daqueles voos que saem da Paraíba de madrugada e aterrissam no Galeão ao amanhecer, um voo cansativo, e a coluna me incomodando. Desci apressado, cruzei o saguão e entrei na fila do táxi, na calçada do desembarque. Tinha umas oito ou dez pessoas na minha frente. Os carros vinham chegando de um em um, enchendo e partindo. Quase no começo da fila tinha um gringo. Um cara de 30-e-poucos anos, rosto sério de gringo, roupas desajeitadas de gringo, duas malas enormes e algumas sacolas. Quando o táxi foi se aproximando, ele moveu a posição das sacolas e eu vi alguma coisa cair no chão.



Era um pacotezinho de plástico com algumas coisas dentro, parecia um saquinho com cartões, um ou outro documento, a ponta de plástico enrolada e dada um nó.  Quando aquilo caiu no chão o cara estava preocupado com o equilíbrio das sacolas em cima da mala enorme (nisso o táxi dele já vinha encostando no meio-fio), e não viu. Esperei que as pessoas atrás dele, mais próximas, mostrassem a queda do objeto. Ninguém se mexeu. Eu podia ter mostrado. Nem precisaria conversar, arriscar meu inglês. Bastaria fazer “Ei!” bem alto, erguendo o braço, e, quando ele olhasse, apontar o pacotinho no chão.



Não o fiz.  Fiquei somente olhando enquanto ele e o motorista botavam a bagagem na mala do carro, ele se acomodava com suas sacolas no banco traseiro e o táxi ia embora. O pacotinho ficou no chão. Ninguém viu. As pessoas seguintes passaram as rodinhas de suas malas por cima dele. Quando chegou minha vez, embarquei também e fui embora.



Por que não ajudei o cara?  Não me custava nada. “Ei!” – e apontar o chão. Podia não ser nada, podia ser algum comprimido para enjoo, sem maior valor. E podia ser um documento, um cartão, algo essencial quando se está em terra estranha. Não avisei porque fiquei esperando que as pessoas mais próximas o fizessem. E depois não o fiz porque estava cansado, impaciente, doido pra meu táxi chegar logo. O cara foi embora com o problema dele, e eu vim embora com os meus.


A pior coisa, quando a gente faz uma desatenção assim, é que o mundo não se acaba. E você começa a achar que já que o mundo não se acabou, nunca mais vai se acabar. E aí tome a fazer o que dá na telha; tudo é permitido.  Era bom que, cada vez que a gente praticasse uma maldade omissa ou forçosa sobre alguém, pelo menos alguma pequena catástrofe ocorresse em seguida, para se saber que aquilo ali incomodava o Universo, era uma desarmonia, desequilibrava tudo em volta e requeria compensação. Todo pequeno gesto conta. Toda pequena gentileza casual conta. Toda chance que fez vapt e depois fez vupt, os quatrocentos golpes de cada dia. Tudo conta.