quarta-feira, 16 de julho de 2014

3552) O desejo e o objetivo (16.7.2014)



Uma das piores coisas que podem acontecer durante uma discussão sobre literatura e mercado editorial é alguém aludir a Stephen King, J. K. Rowling ou Paulo Coelho para dar exemplo seja lá do que for. Esse pessoal que vende milhões passa para o autor novato a idéia de que o objetivo dele deve ser, também, vender milhões de cópias, o que é um erro. Na pressa de atingir esse número irreal, ele vai se oferecer pra “transar com Deus e com o lobisomem”, como dizia o parceiro do autor de O Alquimista. Não vai conseguir, e talvez acabe entrando para o clube azedo e ressentido dos que dizem: “Pois é... um país que não lê... ah, se eu escrevesse em inglês...”

Vender dez milhões de exemplares não pode ser o objetivo de ninguém que publica um livro, ainda mais se for um livro de estréia. É um objetivo irreal, que chega à beira do absurdo, mas mesmo assim vejo muitos autores jovens e autoconfiantes dizerem: “Se a série Crepúsculo vendeu tanto assim, por que um livro meu não pode vender também?”.  Isso, minha gente, não é um objetivo, é um desejo.  Todo mundo é livre para desejar o que quiser, sonhar com o que bem entender.  Mas isso não pode ser confundido com um objetivo.  Objetivo é algo que está no horizonte do possível, algo que pode ser planejado e cumprido.

Quando Dan Brown ou Stephen King fazem a tiragem inicial de um livro novo com um milhão de exemplares, isso não é um desejo, é um objetivo.  Toda a história anterior da vendagem do autor o autoriza a imprimir um milhão de cópias de uma tacada só. Ele já sabe que é possível vendê-las. (Às vezes encalha; às vezes, dependendo da aceitação do livro, mesmo Brown ou Coelho levam anos para vender essa tiragem inicial. Mas o objetivo era fundamentado, sim.)

Meus livros têm em geral uma tiragem de 2 ou 3 mil exemplares, que é a tiragem padrão do mercado brasileiro.  Alguns já venderam 40 ou 50 mil, mas nem por isto eu coloco esse número como um objetivo. Se rolar, beleza.  Mas o bom senso aconselha, a mim e aos editores, ir de pouquinho, sentindo a resposta do público, e preparando tiragens maiores se a gente vir que a aceitação é boa.

Colocar Paulo Coelho e seus não-sei-quantos-milhões de livros vendidos na conversa é despertar um desejo confuso e infantil de sucesso instantâneo, sucesso com pouco esforço. Duvido que algum novo autor se dispusesse a fazer a peregrinação que Paulo Coelho fez, com o Diário de um Mago embaixo do braço, de livraria em livraria, de rádio em rádio, de jornal em jornal, de TV em TV, de amigo em amigo, vendendo caladinho seu peixe, pensando talvez que iria ser um sucesso com 20 mil livros vendidos.