Tem atores que são capazes de se concentrar num personagem real ou imaginário e recriá-lo com competência: o Hamlet de Laurence Olivier, o Hitler de Bruno Ganz, o Gandhi de Ben Kingsley, o Gonzaguinha de Júlio Andrade, o Aguirre ou o Fitzcarraldo de Klaus Kinski. Ele cria um personagem como quem ergue uma catedral, com tudo que isso envolve de planejamento a longo prazo e de improviso instantâneo, com tudo que isso implica de filigrana milimétrica e de megalomania estrutural.
Não era o caso de Robin Williams, e não porque ele não fosse
um excelente imitador. Imitou competentemente desde Theodore Roosevelt até
Oliver Sacks e o marinheiro Popeye. É
que Williams era mais capaz de reproduzir os tiques exteriores de alguém do que
de se transformar naquele alguém, com memórias profundas e tudo o mais. As
pessoas e os personagens não lhe despertavam tanto interesse assim, a ponto de
fazê-lo dizer: “Passarei dois anos estudando e compondo esse personagem”. Não,
acho que era mais aquela coisa do cômico de vaudeville, do rádio e do cinema
mudo, que abre uma folha: “Qual é o próximo papel? Ah, pirata decadente. Já
sei.”
Vi duas ou três entrevistas de Williams na TV e ele era aquele
tipo não-entrevistável, porque ele nunca é ele mesmo, ele está sempre fazendo
um personagem, e nunca é o mesmo personagem por mais de vinte segundos
consecutivos, às vezes um pouco mais, quando a piada que está inventando se
prolonga. Me lembra o que disse uma vez uma esposa de Peter Sellers: que era
impossível conversar com ele, porque não havia “ele”, havia milhares de
personagens que ele imitava quando precisava dizer alguma coisa. Eram mil
máscaras sem um rosto por trás.
Williams sempre caminhou naquela linha difícil dos atores
careteiros, a que também pertencem Jerry Lewis e Jim Carrey. Sabem que estão sempre a um milímetro de
resvalar no mau gosto, no patético, no cafona, no escatológico, mas é algo mais
forte do que eles. Fariam assim mesmo
que a lei proibisse. Só sabem fazer se for assim.