No sábado era festa de São Gedeão, no domingo as cavalhadas; as festas mais populares ali em Aramoabe, no coração do Curimataú. Pois foi nesse sábado que a notícia caiu como um raio num trono de ferro. Epitacinho do Hotel anunciou ter recebido uma reserva para vinte pessoas, mais equipamentos e bagagens, a partir “de primeiro de março do ano que vem”. Como ainda estavam em junho, o assunto deu o que falar, rendeu mais do que as cavalhadas propriamente ditas, de onde era difícil tirar uma conversa nova. Nem Epitacinho tinha jamais recebido tanta gente numa carrada só como também nem sabia que era possível alguém reservar um hotel com semelhante antecedência.
No
domingo, um hóspede atendeu por acaso o telefone do balcão (era de casa, morava
no hotel há anos, sem pagar) e chamou Epitacinho: “Ei, Pita, é do Rio de
Janeiro, os rapazes que vêm fazer o filme sobre São Gedeão”. Ele talvez tivesse
esquecido tudo se Epitacinho não se precipitasse estrepitosamente de lá de
dentro, esbarrando em móveis, para arrebatar o fone da mão dele. Bem feito. No
outro dia, do renque da cavalhada à roda-gigante não se falava noutra coisa.
Um
surto de patriotismo ofendido tomou conta de Aramoabe. Os cariocas estão
pensando o que? Que o santo é deles? Na manhã da segunda, câmara de vereadores,
clube de diretores lojistas, lideranças religiosas e sindicais, todos se deram
as mãos. Epitacinho foi forçado a fornecer o fone de contato que recebera.
Ligaram e quem disse estar do outro lado foi um tal de Douglas. Sim, era
produtor de cinema. Sim, um filme sobre o santo. O melhor filme brasileiro do
ano que vem. Vamos botar Aramoabe no mapa do mundo, das grandes produções
internacionais.
Era
no viva-voz; Simas de Seu Nô pulou mais para perto e bradou que Aramoabe era
citada em duas enciclopédias brasileiras e uma fora, tinha seis agências
bancárias e merecia mais respeito. Seguiu-se o que um jornal local, “A
Trombeta”, chamou no dia seguinte de “balbúrdia” e o editorialista de
“charivari”. Autoridades que usaram do receptor garantiram terem sido ofendidas
em sua honra “pelo carioca ixperto”.