A lista A Word a
Day, que assino há anos, trouxe uma postagem sobre um oficial norte-americano
do século 19, chamado Henry Gorringe.
Ele foi o responsável pela transferência da chamada Agulha de Cleópatra
(um obelisco egípcio) para o Central Park de Nova York. Sua presença na lista, contudo, era por uma
razão ainda mais rara: segundo os redatores, o nome dele é a única rima na língua
inglesa para a palavra “orange” (laranja).
Rima é um
negócio danado. Quando dizemos rima, na
poesia, estamos falando em geral daquilo que se denomina rima exata, ou rima
consoante: laranja / canja, abacaxi / siri, futebol / sol, e assim por diante. A poesia modernista, no entanto (João Cabral,
Cecília Meireles, tantos outros) usou fartamente a rima toante, aquela em que
os sons são meramente parecidos: Paraíba / vida, sino / caminho, alma / casa,
etc. Só pra resumir: a rima consoante,
exata, tradicional, é aquela onde existe entre as duas palavras uma
coincidência perfeita de sons a partir da vogal da sílaba tônica. As palavras “conta” e “ponta” rimam, não
importa se antes da vogal em questão vem um C ou um P.
Meu pai fez para
minha avó (Vó Clotilde, que era a cara de Agatha Christie) um soneto chamado
“Mãe”, que terminava dizendo: “Pois teu nome sem rima é o hemistíquio / do
verso alexandrino de minh’alma”. Quando
o questionei, ele me interpelou: “Pois me diga uma rima para a palavra ‘mãe’”. Eu disse, em-cima-da-bucha: “Bãe...
tamãe...”, e ele me mandou pastar. Não,
não tem rima. Assim como “sempre”
também não tem. Dou um milhão de dólares por duas palavras terminadas em
“...empre”, preu fazer uma sextilha que está engatilhada há anos.
Também não têm
rima palavras como cérebro, víbora, câncer, nuvem, órfã, mil outras. De vez em quando aparece um esperto exumando
um vocábulo seiscentista, ou distorcendo de leve uma pronúncia pra aconchambrar
um verso periclitante. Vale? Às vezes vale. Guilherme de Almeida, artesão de mão cheia e bom poeta, tem um
poema chamado “Berceuse da Rimas Riquíssimas” onde cataloga alguns desses
truques, como por exemplo rimar “nuvem” com “nu vem”. Existe o caso famoso de “cinza”, que só rima com “ranzinza”, mas
um cantador de viola sabichão encaixou num verso a história de um cantador
fanho que em vez de “camisa” falava “caminza”.