Nenhum indivíduo deveria morrer sem saber sua origem, de
onde veio, quem o pôs no mundo, qual o mistério que cerca seu nascimento. O
folhetim clássico já nos deu centenas de vezes
o drama de quem passa a vida em busca de solver o mistério de si mesmo
até se deparar com a mais terrível das revelações. O folhetim moderno parece
ter condenado alguns dos seus personagens não apenas à morte, mas a uma vida em
vão. Nunca saberão de nada; chega parece que seu destino é algo que já estava
escrito há muito tempo, por alguma divindade impaciente. “Procurarás, e não
ficarás sabendo.”
E olha que estamos falando de um universo onde há não apenas
uma luta entre casas reais de um continente, mas entre continentes distintos,
cada qual pouco ligando para as distinções e as dissidências internas do outro.
O povo de um deus numérico contra o povo de um deus cromático, isso para não
falar em outros que por enquanto permanecem na penumbra, mas próximos. Como se
manifesta o vosso deus? seria uma boa pergunta inicial na primeira reunião
entre dois embaixadores.
Nada mais verdadeiro, segundo Bob Dylan, do que o gelo e o
fogo. Basta perguntar às pontas dos nossos dedos. Gelo e fogo são o xibolete
materialista terminal. A pedra de toque: saber se posso ou não tocar nessa
pedra. O que nem sempre se deve fazer. Quando um personagem entra num recinto e
existe um botão bem à vista, não há como não pensar que todo o fluxo da
história depende de que ele estenda o dedo e aperte. Alguém bastante curioso,
imprudente ou maluco para apertar esse botão sem pensar a que ele se refere.
São as pessoas que fazem a História dar um solavanco, que tanto pode levá-la
para a frente (como a Segunda Guerra Mundial) quanto para trás (como a
Primeira).
Parece que a narrativa de Fantasia Heróica em questão
levantou um tapete, ou uma série de tapetes religiosos, e se deparou com seitas
purificadoras, fogueiras sacrificiais em praças públicas, o poder da fé
subjugando o poder da espada. Os sem fé parecem ser todos canalhas e calígulas.
Os crentes parecem ser ceifadores do erro, máquinas de povoar o mundo das almas
purificadas durante o próprio castigo.