Uma família humilde tinha dois filhos, um de quinze e outro de doze anos. O mais velho nasceu de um parto difícil, sobreviveu com sequelas. Precisava de fisioterapias, etc., e se desenvolveu muito lentamente. Passava o dia na cama, falava com dificuldade, e nos fins de semana a família o levava para tomar sol no parque municipal numa cadeira de rodas. Já o garoto mais novo era muito esperto, estudioso, um menino bom que ajudava a cuidar do irmão mais velho. Os dois aliás se gostavam muito, eram unidos, dentro das limitações de linguagem do primeiro.
É quando o pai ganha um dinheiro numa loteria qualquer. Nada
que o tornasse milionário; mas de repente ele tinha em mãos muito mais grana do
que seria capaz de imaginar. Parentes se reaproximaram do casal, dispostos a
ajudar num momento tão delicado. Passada a euforia inicial, todos, em volta da
mesa, com lápis e papel, faziam contas e listavam as diferentes maneiras
possíveis de aplicar aquela pequena fortuna caída do céu.
Anota daqui, risca dali, ficaram com apenas dois projetos
em mãos. Fazendo as contas e as projeções futuras, descobriram que a grana
recém-chegada lhes dava a chance de optar entre duas utilizações diferentes.
Havia nos EUA um hospital especializado no tipo de problema do garoto mais
velho. Com dois anos de tratamento, grande parte dos problemas dele poderiam
ser revertidos: ele conseguiria andar, alimentar-se sozinho, falar de maneira
inteligível, quem sabe até ser matriculado numa escola especial.
A outra opção era mandar para um curso de dois anos na
Europa o garoto mais novo. Estudioso e bom em matemática, ele ganhava todas as
competições desse tipo, era saudado como “futuro gênio” pelos professores, e os
pais já colecionavam um álbum de matérias de jornal (e DVDs com reportagens de
TV) sobre “o Einstein de Vila Junqueira”, como o menino era chamado no bairro
onde sempre residiram.