sábado, 20 de julho de 2013

3243) O ateu fundamentalista (20.7.2013)




Quem lê esta coluna já sabe que sou agnóstico, sem religião. Tenho uma forte tendência mística, mas ela não vai na direção da espiritualidade (a crença num mundo além da matéria, independente da matéria), e sim na direção de um mundo transcendental, além-matéria, que será um dia criado por nós, ou por outros seres tão materiais quanto nós. Em suma: meus impulsos místicos são plenamente satisfeitos pela vertente cosmológica, trans-humanista, da ficção científica. Um misticismo com raiz na ciência, ou então misticismo nenhum.

Mas não sou ateu. Me perguntam isso o tempo todo, e algumas pessoas não entendem como é que não me considero ateu, mesmo não acreditando em Deus. Primeiro (explico) existe o fato de que nada tenho contra a existência de um Deus, e na verdade acho que teríamos vários benefícios se uma divindade assim existisse, uma divindade como a dos cristãos, da cultura em que fui criado. (Sim, fui batizado, e casei uma vez na igreja, mas nunca me confessei nem fiz comunhão.) A questão é que nunca experimentei a fé intensa e espontânea que tantos religiosos descrevem, nem nunca me deparei com uma argumentação convincente da existência de um Deus. Não acredito em Deus como não acredito em vida na Lua. Acho que não existe; não tenho certeza, acho apenas que é pouquíssimo provável. Se me provarem amanhã que existe, serei o primeiro a mudar de opinião e dizer a todo mundo. Qual é o problema em ser convencido pelos fatos?

O que me irrita na religião são os fanáticos, os hipócritas (que pregam uma coisa e fazem outra às escondidas), e os proselitistas, os que do nada querem nos impor a sua crença (e se pudessem usar a força bruta para fazê-lo, não hesitariam).

E nos últimos tempos tenho visto muitos ateus adotando essa postura irritante dos piores religiosos que a gente vê por aí. Não lhes basta não crer em Deus: querem convencer os crentes a deixarem de crer, querem transformar a discussão religiosa em algo parecido com um confronto de militâncias políticas em reta final de campanha. É nessas horas que a gente percebe a tendência fundamentalista, autoritária, presente em ambos os grupos. Era de se esperar que predominasse no lado religioso o espírito humanista e compassivo dos que dizem experimentar a comunhão com a Divindade; e no lado dos ateus o equilíbrio sereno dos que dizem cultivar a busca desinteressada da sabedoria. Mas quando a discussão filosófica se aproxima da rivalidade político-partidária ou da cegueira futebolística... Vai ser engraçado qualquer dia ver Deus sendo defendido com porretes e a Ciência vindicada mediante coquetéis Molotov.