Quem
lê esta coluna já sabe que sou agnóstico, sem religião. Tenho uma forte
tendência mística, mas ela não vai na direção da espiritualidade (a crença num
mundo além da matéria, independente da matéria), e sim na direção de um mundo
transcendental, além-matéria, que será um dia criado por nós, ou por outros
seres tão materiais quanto nós. Em suma: meus impulsos místicos são plenamente
satisfeitos pela vertente cosmológica, trans-humanista, da ficção científica.
Um misticismo com raiz na ciência, ou então misticismo nenhum.
Mas
não sou ateu. Me perguntam isso o tempo todo, e algumas pessoas não entendem
como é que não me considero ateu, mesmo não acreditando em Deus. Primeiro
(explico) existe o fato de que nada tenho contra a existência de um Deus, e na
verdade acho que teríamos vários benefícios se uma divindade assim existisse,
uma divindade como a dos cristãos, da cultura em que fui criado. (Sim, fui
batizado, e casei uma vez na igreja, mas nunca me confessei nem fiz comunhão.)
A questão é que nunca experimentei a fé intensa e espontânea que tantos
religiosos descrevem, nem nunca me deparei com uma argumentação convincente da
existência de um Deus. Não acredito em Deus como não acredito em vida na Lua.
Acho que não existe; não tenho certeza, acho apenas que é pouquíssimo provável.
Se me provarem amanhã que existe, serei o primeiro a mudar de opinião e dizer a
todo mundo. Qual é o problema em ser convencido pelos fatos?
O
que me irrita na religião são os fanáticos, os hipócritas (que pregam uma coisa
e fazem outra às escondidas), e os proselitistas, os que do nada querem nos
impor a sua crença (e se pudessem usar a força bruta para fazê-lo, não
hesitariam).
E nos últimos tempos tenho visto muitos ateus
adotando essa postura irritante dos piores religiosos que a gente vê por aí.
Não lhes basta não crer em Deus: querem convencer os crentes a deixarem de
crer, querem transformar a discussão religiosa em algo parecido com um
confronto de militâncias políticas em reta final de campanha. É nessas horas
que a gente percebe a tendência fundamentalista, autoritária, presente em ambos
os grupos. Era de se esperar que predominasse no lado religioso o espírito
humanista e compassivo dos que dizem experimentar a comunhão com a Divindade; e
no lado dos ateus o equilíbrio sereno dos que dizem cultivar a busca
desinteressada da sabedoria. Mas quando a discussão filosófica se aproxima da
rivalidade político-partidária ou da cegueira futebolística... Vai ser
engraçado qualquer dia ver Deus sendo defendido com porretes e a Ciência
vindicada mediante coquetéis Molotov.