segunda-feira, 8 de agosto de 2016

4144) Eu me lembro 9 - Bahia (8.8.2016)




(pátio do ICBA)

Eu me lembro de um dia, no Corredor da Vitória, em que dois carros se cruzaram, indo em direções opostas, e os motoristas pararam para conversar durante um minuto, enquanto as duas filas de carros esperavam atrás deles, sem dar uma buzinada sequer.

Eu me lembro das batidas de fruta do Diolino, no Rio Vermelho.

Eu me lembro de um histórico comício pela redemocratização com Ulysses Guimarães, no Terreiro de Jesus, com a PM dando prensa.

Eu me lembro de uma noite estar tomando cerveja com uma turma e alguém vir nos chamar para assistir “o enterro da cabeça de Corisco”.

Eu me lembro de ir ver um show de Moraes Moreira e a abertura do show era com um tal de Djavan, que eu nunca tinha ouvido falar, mas quando começou eu reconheci umas dez canções que eu não sabia de quem eram.

Eu me lembro de estar várias vezes no Canela ao anoitecer, com sacolas de supermercado, e o ônibus do Engenho Velho de Federação passar com gente pendurada na porta e mesmo assim eu conseguir entrar.

Eu me lembro do angu incubado que eu ia comer toda semana na Cantina da Lua.

Eu me lembro de quando começou pela primeira vez a tocar reggae com-força nas festas do Restaurante Universitário e da Escola de Teatro.

Eu me lembro de um campinho de pelada que tinha no caminho da Rodoviária e que tinha um enorme toco de árvore bem no meio.

Eu me lembro da feijoada na casa de Maria Edna, feita com feijão mulatinho e uns temperos preternaturais, e que eu já comia chorando de saudade.

Eu me lembro das temporadas do “Oxente gente, cordel” no Vila Velha, quando a gente ficava se aprontando no camarim e perguntando o tempo todo à bilheteria se já tinha vendido mais ingressos do que o número de atores da peça (éramos uns quinze).

Eu me lembro de um show certa vez no jardim do ICBA, quando de repente um cara branco, de meia idade, saltou lá para a frente e dançou como se o mundo fosse se acabar, e no fim do show descobrimos que ele era grego.

Eu me lembro de pedir um suco no balcão de uma lanchonete num domingo de tarde e um dos balconistas, encostados num rádio ligado, dizer: “Espera terminar o primeiro tempo”, e eu esperei.

Eu me lembro do Congresso da UNE, onde a multidão votava erguendo na mão a credencial vermelha, e uns espertos erguiam um maço de Hollywood.

Eu me lembro dos atentados do Homem do Canivete, atacando as mulheres de calças justas em plena rua, e eu acabei fazendo um samba.

Eu me lembro da primeira vez em que entrei numa padaria, pedi cinco pães, e o cara perguntou: “Vara ou cacetinho?”.

Eu me lembro do Beco, ao lado do Teatro Castro Alves, onde tinha um bar cujas mesas eram máquinas de costura.

Eu me lembro de passar tardes inteiras estudando cinema na biblioteca Walter da Silveira, perto da Praça da Sé.

Eu me lembro das empresas de Ônibus Vibemsa e Vidusa (“a Duran”).

Eu me lembro de ir com Homero de Carvalho filmar as catadoras de lixo no lixão, e aquele cheiro ficou nas minhas narinas por uma semana.

Eu me lembro das famosas “coletivas musicais” do final dos anos 1970, quando a regra era “duas músicas pra cada um”, e reclamavam que minhas letras eram quilométricas.

Eu me lembro de uma vez estar cantando com violão na calçada do elevador Lacerda, para divulgar uma peça, e João Paulo, ex-artilheiro do Treze, ia passando e parou pra me dar um abraço.

Eu me lembro das doses de cachaça com açúcar e canela na borda do copo, no Quintal do Raso da Catarina, o bar do Franco.

Eu me lembro do caixa de um banco onde fui descontar um cheque nominal e ele observou que estava faltando o “Neto”no meu nome (“Tecnicamente, este cheque é para seu avô”), mas me pagou assim mesmo. Valeu!