domingo, 1 de julho de 2012

2911) Supervilão séc. 21 (1.7.2012)






Os super-vilões da narrativa popular são encarnações monolíticas do Mal: Fu-Manchu, Prof. Moriarty, Dr. No, Lex Luthor.  O desafio da literatura contemporânea é criar vilões que exprimam o lado maligno do mundo mas tenham também uma dimensão realista, para torná-los acreditáveis pelo menos durante o tempo da leitura. Se a literatura aceitou há muito tempo o fato de que nenhum herói é sem defeitos, não custa admitir que nenhum vilão é sem qualidades.  Um vilão que, quem sabe, possa até nos despertar um pouco de identificação, de inveja.

Hubertus Bigend (BÁI-jend) é o inesperado vilão que William Gibson criou em sua recente trilogia (Reconhecimento de Padrões, 2003; Spook Country, 2007; Zero History, 2010).  Bigend é um bilionário capaz de em poucos minutos, ao celular, mover montanhas de dinheiro e mudar a vida de pessoas cuja existência ele desconhece e minimiza. Bigend não é um paranóico delirante que quer “ser o dono do mundo”, seja isto o que for.  É uma mistura de Eike Batista com Steve Jobs.  Tem uma empresa, a Blue Ant, que se apresenta como agência de publicidade, de marketing, de investigação de modas e tendências, mas serve de fachada para suas manobras por baixo do pano.  Fisicamente, Bigend parece com “Tom Cruise submetido a uma dieta de sangue de virgens e trufas de chocolate”.

“Hubertus organiza sua vida e seus negócios”, diz um personagem, “de um modo que o obriga a estar o tempo inteiro indo além do limite, e de um modo que fica produzindo sempre um novo limite para que ele vá além”.  Ele é um sujeito que, em crises onde outras pessoas se preocupariam, ele apenas fica um pouco mais interessado.  Não se altera.  Mesmo quando descobre (como em Zero History) que o diretor de informática de sua empresa é espião a serviço de um adversário, ele apenas aciona um escritório alternativo e passa a usá-lo, sem dar bandeira de que descobriu o que está acontecendo.  Seu objetivo profissional, diz ele, é conseguir perceber o fluxo de transações (ouro, ações, etc.) no mercado, em qualquer momento dado. Ele diz: “Essa informação existe, mas não há ninguém capaz de agregá-la.  Se alguém conseguir isto, o mercado deixará de ser real, porque o mercado reflete a impossibilidade de alguém vislumbrar o fluxo de transações por inteiro num dado momento”.  É uma ambição meio maluca, mas tem mais a ver com o mundo de hoje do que as ambições meramente monetárias ou absolutistas dos vilões de antigamente.  Bigend é a presença do grande capital gerando, num videogame para seu exclusivo deleite coletivo, a linguagem do nosso dia a dia: revistas, roupas, filmes, logotipos, exposições de arte.