É quase um lugar comum da crítica dizer que Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911) de Lima Barreto é um romance sobre a loucura. A trajetória do protagonista é comparada à loucura mansa de Dom Quixote, que vive num mundo mental diferente da “realidade consensual” das pessoas à sua volta. O Major Quaresma, no entanto, é um cidadão muito mais integrado ao mundo. Trabalha numa repartição; conhece pessoalmente o Presidente da República; compra um sítio; dedica-se à agricultura; alista-se como voluntário no exército durante uma revolta armada... Ou seja: faz o que outros cidadãos também fazem ou gostariam de fazer. Não come merda nem rasga dinheiro, e toda vez que atravessa uma rua chega inteiro do outro lado. Doido, ele não é. Ou pelo menos não é mais do que eu.
E no entanto o major acaba internado num sanatório, tal
como aconteceu com o próprio Lima Barreto. Por que? Porque cismou que o Brasil tinha que ser
diferente. É a megalomania do paranóico, o qual acredita que o mundo inteiro
gira em redor do seu umbigo, que o mundo inteiro espera dele intervenções
grandiosas e decisivas. Quaresma é acometido de surtos de amor fervoroso pela
Pátria, convence-se do grande destino que a espera, e tudo que quer é sacudir o
povo brasileiro pelos ombros, despertá-lo, pô-lo de pé, encaminhá-lo para seu
grande destino. Isto é ser doido? No
Brasil, parece que sim.
Lima Barreto diz: “O primeiro fato surpreendeu, mas
vieram outros e outros, de forma que o que pareceu no começo uma extravagância,
uma pequena mania, se apresentou logo em insânia declarada.” O requerimento que ele faz à Câmara propondo
que o tupi seja adotado como língua oficial do Brasil fica famoso da noite para
o dia. Quaresma, por assim dizer,
torna-se um meme das redes sociais da época. “Publicado em todos os jornais,
com comentários facetos, não havia quem não fizesse uma pilhéria sobre ele...
Uma ilustração semanal publicou-lhe a caricatura e o major foi apontado na
rua.”