quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

4797) O assassinato de Olof Palme (24.2.2022)



Perto da meia-noite de 28 de fevereiro de 1986, o primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme, foi atacado a tiros numa rua de Estocolmo, quando saía do cinema com a esposa. Era inverno, havia pouca gente na rua, alguns transeuntes pararam e tentaram socorrê-lo. A esposa de Palme estava ferida com um tiro de raspão nas costas. Os dois foram levados para o hospital, onde Palme morreu pouco depois.
 
Matar um primeiro-ministro no meio da rua parece uma coisa arriscada, mas o fato é que até hoje o culpado pelo assassinato de Palme não foi oficialmente descoberto, embora a polícia fizesse algumas prisões (logo tornadas sem efeito) e explorasse várias linhas de investigação, que nunca deram em nada.
 
Uma dessas linhas é a que foi encampada pela série em exibição na Netflix, Assassinato do Primeiro Ministro (“The Unlikely Murderer”, 2021), dirigido por Wilhelm Behrman e Niklas Rockström. São cinco episódios baseados no livro do jornalista sueco Thomas Pettersson, que tem uma teoria bastante nítida (embora questionável) sobre quem é o assassino de Palme.


(Robert Gustaffson, como Stig Engstrom)

 
A série propõe a hipótese de que o criminoso é o homem que durante todo o inquérito foi chamado “o Homem da Skandia”, nome da empresa onde trabalhava. Stig Engstrom estava no local do crime, e foi uma das primeiras pessoas a prestar socorro ao primeiro-ministro. Diz ele que tentou perseguir o assassino e chamar a polícia, e que por esse motivo foi avistado, correndo, por algumas testemunhas, que o teriam confundido com o criminoso. Um dos principais “nós cegos” da investigação reside juntamente na dificuldade em deslindar o depoimento de Engstrom dos depoimentos alheios.
 
A série mostra o crime acontecendo logo nos minutos iniciais, e assume o risco de afirmar, sem sombra de dúvida, que Stig Engstrom matou o ministro. Essa teoria é minuciosamente apresentada e argumentada ao longo dos cinco capítulos desta série “fechada”. A polícia sueca, em 2020, afirmou oficialmente que Engstrom era o suspeito mais provável. O problema é que ele morreu em 2000, numa morte que pode ter sido acidente ou suicídio.
 
Filmar crimes reais não-resolvidos é diferente de filmar crimes reais que tiveram desfecho. Mais do que nunca temos a consciência de que o que vemos na tela é uma mistura de reconstituição de fatos ocorridos e visualização de fatos que ninguém pode provar que aconteceram.
 
Por que a polícia não solveu o crime?


(Mikael Persbrandt, como o chefe de investigação Hans Holmer)


Principalmente pela desorganização e falta de “cancha” da polícia sueca para solver um caso onde as pressões políticas e populares (da mídia, inclusive) eram enormes. Jogo de interesses, narcisismo, briga pelo poder, policiais sabotando-se mutuamente em busca de holofotes e promoção pessoal.
 
Podemos chamar de “política policial” ao jogo de poder entre os encarregados das investigações criminais, e isso muitas vezes está ausente na literatura policial clássica. Mesmo em romances do chamado “police procedural”, os investigadores são muitas vezes mostrados como um corpo homogêneo, onde as dissensões são apenas quanto à interpretação das pistas, etc., mas sem nenhuma motivação visível em termos de luta pelo poder dentro da própria estrutura policial.
 
Não é o que se vê na série, que mostra a polícia como um ninho de cobras, num retrato crítico só inferior ao modo como retrata “o Homem da Skandia”, um indivíduo patético, mesquinho, em busca de posições de poder, ressentido com tudo e com todos, o que o levou (diz a série) a descarregar num adversário político as frustrações de uma vida inteira. Nem a polícia o levou a sério. Somente Pettersson, um repórter que pegou o bonde andando anos depois.
 
A literatura policial, desde o seu começo, usa muito o Jornalista em contraposição ao Detetive, oficial ou particular. Um clássico de 1907, O Mistério do Quarto Amarelo, de Gaston Leroux, mostra o repórter Rouletabille metendo o bedelho na investigação de um crime, onde acaba por achar a solução.
 
Um policial da Scotland Yard ou um detetive particular da Califórnia investigam crimes, respectivamente, por ordem dos seus superiores ou por incumbência de um cliente. O jornalista representa um tipo diferente de empreitada. Seu objetivo não é punir o criminoso, é revelar sua identidade, noticiar “o que de fato aconteceu”. O fato de não ser um funcionário público faz com que ele trabalhe com menos recursos (equipes, laboratório, poder de prisão, etc.), mas por outro lado lhe dá mais agilidade. Pettersson (pelo menos o Pettersson mostrado na série que ele próprio roteirizou) consegue atravessar o emaranhado de pistas falsas e detalhes irrelevantes e chegar à “solução” do crime.
 
A série é muito bem escrita e dirigida, e o ator que faz o papel do “Homem da Skandia” é excelente em sua criação do típico “Tiozão do Pavê”: titubeante, vítima de bullying-adulto pelos colegas, implicante, arrogante, viciado em pequenas mentiras, ansioso por notoriedade. Existe uma tensão visível entre ele e a esposa (interpretada por Eva Melander), num daqueles casamentos bergmanianos feitos de meias palavras e perguntas não respondidas. Com o passar dos dias e dos anos ela vai cada vez mais se convencendo de que alguma coisa não está batendo bem no comportamento do marido, cujas fraquezas ela conhece melhor do que ninguém.