(busto de Antonio Marinho, em São José do Egito, PE)
Para quem é músico, o improviso é o solo instrumental feito
na hora, com um mínimo de preparação, acompanhando a cadência rítmica e a
sequência harmônica que o resto da banda está segurando, e, a partir disso, com
liberdade total para inventar.
Para quem é cantador de viola, improviso é o verso
pensado e cantado quase no mesmo instante, o verso quente, pegando fogo,
forjado no toma-lá-dá-cá das sextilhas alternadas. O desafio instantâneo, onde,
como me disse inesquecivelmente um cantador, “eu só sei o verso que fiz quando
escuto minha boca dizendo”.
A verdade, porém, é que todos nós improvisamos o tempo inteiro
quando falamos com alguém. São raros os casos em que “ensaiamos um texto” antes
de ir conversar com quem quer que seja. Entrevista de emprego, pedido de
noivado, reunião na firma, brinde em banquete... sim, às vezes a gente rabisca
umas frases no papel, decora, repete, pra elas irem ficando maleáveis e darem a
impressão de ser espontâneas.
Raramente dão: todo mundo pressente que é coisa decorada.
Nossa prática constante do improviso é tal que geralmente percebemos de cara
quando alguém está contribuindo com a conversa com um “texto pronto”, com
frases trazidas de casa.
Achamos fácil improvisar porque nossa fala não tem
restrições de métrica, rima, assunto, nada. Basta falar organizadamente o que
vem à cabeça. Fazemos isso o dia todo, bem ou mal, a vida inteira. Somos os
reis do improviso em prosa. (Está aqui um bom motivo pro cara ficar todo
empavonado, como aquele personagem de Molière que a certa altura da vida
descobriu que “falava em prosa”.)
O que chama mais a atenção nos improvisos da vida
cotidiana é quando diante de uma situação inesperada a gente se sai com uma
resposta perfeita, pensada em fração de segundo. Uma resposta que todos em
volta percebem que não poderia ser adrede preparada, porque ninguém poderia
prever o fato ou a frase que desencadeou a resposta.
É essa rapidez de raciocínio que a maioria dos cantadores
tem, mesmo que não seja em verso.
Diz-se que Antonio Marinho estava em casa quando uma
comadre dele, esposa de um tal Irineu, botou a cara na janela e perguntou: “Seu
Antonio, o senhor viu Irineu?”, e ele em cima da bucha respondeu: “Não! E fôro?...”
É uma dessas respostas geniais que só fazem sentido no
contexto linguístico local. O diálogo, com a segunda-intenção projetada pelo
poeta, é: “O senhor viu irem n’eu?”(=sexualmente), e a resposta: “Não! E foram?...”
Vittorio de Sicca contava um episódio engraçado do início
de sua carreira teatral. Jovem e desempregado, arranjou uma “ponta” numa peça,
fazendo o criado que a certa altura entrava em cena para entregar uma mensagem
ao Conde, algo assim. Sem comer há três dias, Vittorio vestiu a libré e entrou
no palco. Quando viu a platéia, o famoso Monstro de Mil Rostos, deu-lhe uma
turica e ele desabou no chão, desmaiado. O ator que fazia o Conde, entendendo
tudo, recolheu o bilhete que ele tinha na mão, ergueu-o nos braços e levou-o
para a coxia, comentando na direção da platéia: “Ora, ora, preciso esconder a
chave da minha adega.”
Isso é um desses milhares de improvisos brilhantes que toda
noite acontece nos teatros, mundo afora. A reação improvisada pelo ator foi
necessária devido a um imprevisto; uma resposta rápida, e à altura. Marca de um
ator que, sem sair do personagem, está consciente de tudo em volta.
Improvisos desse tipo acabam no entanto se vendo
desvalorizados pela mania dos “cacos”, frasezinhas ausentes do texto que alguns
atores enfiam no diálogo o tempo inteiro para deleite da platéia, e que de
improviso geralmente não têm nada.
O verdadeiro improvisador dá um nó num pingo dágua em
pleno trajeto entre a torneira e o chão.
É como o sertanejo da história contada por Dantinhas
Vilar. Era caçador e mentiroso. Tudo que
ele dizia a mulher dele confirmava. Uma vez, tarde da noite, com a sala cheia
de amigos, ele falou que tinha caçado uma marreca na lagoa.
- Não foi, Fulana? – perguntou.
- Foi, - disse ela, que estava sonolenta, distraída. – Ele
caçou uma macaca.
Houve aquele silêncio, e um dos circunstantes perguntou:
- Macaca?! Como
assim?
- Ah, rapaz, não te conto. É porque eu construí um
corredor de estacas entrando na lagoa pra ajudar o gado a descer pra beber. Aí
apareceu do mato uma macaca que tinha o costume de correr por cima das pontas
das estacas, ficava indo e voltando. Aí eu dei um tiro numa marreca, e pegou na
macaca.
Quando os amigos foram embora ele falou pra mulher:
- Da próxima vez que você me obrigar a construir um
corredor de estacas a essa hora da noite, eu lhe dou uns cascudos.