Este livro de Ira Levin (The Stepford Wives, 1972) é um dos pesadelos mais curiosos da
literatura fantástica dos anos 1970. Teve uma boa adaptação cinematográfica
dirigida por Bryan Forbes em 1975, com Katherine Ross e Paula Prentiss. E outra, em tom de comédia, que achei bastante
fraca, dirigida por Frank Oz em 2004, com Nicole Kidman e Matthew Broderick.
Mas é do livro que quero falar, e acho que o tema já é
tão conhecido que não vou dar nenhum spoiler
muito grave. O título, aliás, já se incorporou à linguagem corrente, pelo menos
em inglês.
O casal Walter e Joanna Eberhart mora em Nova York, não
aguenta mais o caos da grande cidade, e resolve aderir à vida suburbana, que
nos EUA corresponde a comprar uma bela duma casa espaçosa, numa cidadezinha
próxima, e ir e voltar de trem todos os dias. Eles têm um casal de filhos
pequenos. Joanna é fotógrafa semiprofissional, e é feminista.
É um Romance Gótico, de acordo com a divertida definição
de Donald Westlake de que “um romance gótico é uma história de uma mulher que
se muda para uma Casa”. O que essa Casa representa em termos de ameaça, fica a
cargo da imaginação de cada autora(a). Pense em Jane Eyre, em Rebecca, em
Outra Volta do Parafuso...
O livro é fininho (160 páginas, na edição da Pan Books) e
bem escrito, narrativa rápida onde cada frase conta, muito detalhes
psicológicos e de ambiente bem captados com poucas palavras. Os personagens são
meio personagens de série de TV dos anos 1970, com exceção da protagonista
Joanna e de sua amiga Bobbie, as duas feministas da trama, as únicas que
(literariamente) são tratadas como pessoas de verdade.
Escrevendo aqui no Mundo Fantasmo sobre o filme, fiz
tempos atrás a seguinte comparação:
Em O Bebê de Rosemary (1968)
de Roman Polanski, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar
num grande apartamento no Central Park. Aos poucos, a mulher vê o marido se
portando de maneira estranha, e descobre, para seu horror, que ele se juntou a
um grupo de vizinhos satanistas que pretendem fazer com que ela engravide do
Diabo e dê à luz o Anticristo.
Em As esposas de Stepford (1975) de Bryan Forbes, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar numa grande casa no subúrbio. Aos poucos, a mulher vê o marido se portando de maneira estranha e descobre, para seu horror, que ele se juntou a um grupo de vizinhos cientistas que pretende fazer com que ela seja substituída por um andróide programado para obedecer passivamente ao marido.
Os dois livros são de Ira Levin. É óbvio que Stepford foi uma tentativa (bem
sucedida) de reutilizar o plot de Rosemary.
Numa oficina de romance, a leitura e análise comparativa dos dois seria muito
proveitosa para perceber como certos mecanismos de enredo podem ser
infinitamente readaptados sem que a maior parte do público perceba. (Agora
estou me coçando para ler O Bebê de
Rosemary, do qual só vi o filme.)
Stepford é uma espécie de condomínio fechado de caras
ricos, que começam a frequentar o jovem casal.
Um é um ilustrador famoso, especialista em mulheres
lindas: Joanna Eberhart fica vaidosíssima quando recebe a visita dele e ganha
um retrato feito na hora.
Outro é um cara que trabalhou na Disneylândia, ajudando a
programar os robôs eletrônicos que fazem personagens históricos como Abraham
Lincoln, etc.
Um terceiro faz pesquisas linguísticas, e pede a ela que
grave em fita cassete um enorme vocabulário de palavras isoladas, para captar
nuances de pronúncia e sotaque.
E todos esses caras são casados com mulheres lindas, que não
gostam de ler, não gostam de sair, passam o dia bem vestidas, bem maquiladas,
arrumando interminavelmente a casa, polindo copos, encerando pisos, escovando
cortinas, cortando grama, cozinhando, sorrindo...
Existe na cidade uma tenebrosa “Men’s Association” onde
as mulheres não podem entrar e os maridos se reúnem várias noites por semana. Não
leva muito tempo para na cabeça de Johanna se formar a terrível suspeita de que
as mulheres de Stepford estão sendo substituídas por andróides (ou “ginóides”,
para ser mais preciso) feitas à sua imagem e semelhança (com o busto sempre um
pouco maior, é bem verdade) e que nunca dizem “não” aos maridos.
A melhor coisa na narrativa de Ira Levin é a cuidadosa
acumulação de pequenos detalhes que vão se encaixando uns aos outros com a
exatidão aterrorizante de todas as paranóias.
Tal como O Bebê de
Rosemary, é a narrativa de um pesadelo de uma mulher solitária (ou que,
neste caso, tem uma amiga cúmplice, solidária, fiel – e a perde da maneira mais
arrepiante) que várias vezes por dia diz a si mesma que não, que não é possível,
que está ficando doida, que pessoas de verdade não seriam capazes daquilo, que o marido dela não seria capaz daquilo...
e veem as evidências se acumulando a cada instante.
É uma narrativa arrepiante, por ser curta – esticá-la
para 300 páginas faria estalar o fio leve de verossimilhança que Ira Levin
mantém retesado com sua prosa rápida. Poderia ter sido escrita por Philip K.
Dick, pela enorme identificação com sua temática, embora Dick não tenha essa
narrativa precisa, cinematográfica, econômica.
Quanto ao tema, é curioso que este romance de 1972, da
época em que tantas mulheres jovens norte-americanas estavam lendo Betty
Friedan, Kate Millet, Nancy Friday e outras autoras questionadoras, seja talvez
mais atual hoje do que quando foi lançado.
***
Aqui, neste canal
do YouTube, é possível ver o filme original de 1975. É um canal interrompido
aqui e ali por comentários, e não tem legendas em português, mas o som e a
imagem são OK, e o filme parece completo.)
E para quem já viu
o filme, aqui um documentário com diretor, produtor, atores, comentando o
trabalho, a importância do filme: