Quando eu era pequeno eu via na vitrine da Livraria Pedrosa
a coleção dele encadernada em marrom, e reconhecia títulos elogiados por Tio
Cláudio ou Tio Stélio: Winnetou, Na Terra do Mahdi. Karl May foi uma espécie de Julio Verne
alemão, e há quem diga que era um dos autores preferidos de Adolf Hitler.
Talvez não muito honroso para o autor, mas compreensível. May escreveu alguns
ótimos livros de aventuras, e se eu os achei ótimos, por que qualquer outra
pessoa não poderia achar? Não li esses dois aí em cima, mas Entre Abutres e Pelo Curdistão Bravio, de cujos enredos não recordo praticamente nada, eu
tive na memória durante anos como os melhores dele.
Eram tribos de tuaregues no deserto, caçadores esquimós na
Lapônia, árabes de metrópoles exóticas, pele-vermelhas na rota do Oeste. Karl
May tinha a mesma mentalidade catalográfica de Verne, mas sua geografia era de
gabinete e de biblioteca, onde ele escrevia mediante mapas e livros de
referência. A verossimilhança ajuda, mas não é disso que se trata, é de ter
histórias de fato aventurescas para contar. Além de Verne, May é do time de
Rafael Sabatini, Stevenson, Kipling, até mesmo Conan Doyle e Wells, com
histórias movimentadas de homens rudes envolvidos em missões, conflitos,
perseguições, vinganças, libertações, ajustes de contas. Em ambientes exóticos,
meticulosamente pesquisados e com muitas fichas para transcrever.
Enquanto lia os seus livros (que acho que saíam pela
Melhoramentos) minha imagem dele era o rosto barbudo de Karl Marx, porque
sempre que eu procurava um no dicionário dava de cara com a foto do outro.
Já confundi também Orson Welles e H. G. Wells, até por conta
das obras de ambos sobre os marcianos.
Os dois “quase parentes”, em 1940, se cruzaram numa mesma cidade (San
Antonio, TX) e gravaram um programa de rádio (YouTube e arredores). O inglês
pergunta ao colega mais jovem como é o filme que ele está realizando, Orson
diz: “É um novo tipo de filme, com um novo método de apresentação, e alguns
novos tipos de experiências técnicas, e novas maneiras de narrar um filme”.