(Lou Brooks)
No romance folhetim ou na novela de televisão esta exclamação surge de maneira recorrente. Ao ver ou ouvir algo, ao ler uma jotícia de jornal ou abrir uma carta, o personagem exclama estupefato: “Mas não é possível!”. Algo surpreendente acaba de lhe suceder, algo que ele jamais imaginou que sucedesse, e agora virou um fato concreto, ali, diante dos seus olhos. O folhetim tem baixa imunidade para com o vírus da surpresa, do inacreditável, do imprevisto. Todos sabemos que em toda telenovela existe o “núcleo rico” (tipicamente uma família dona de uma grande empresa e cheia de ramificações, muitos filhos, cônjuges, ex-cônjuges, netos, etc.), o “núcleo pobre” (empregados e suas famílias; vizinhos; amigos suburbanos), o “núcleo jovem” (tem que ter uma turma de adolescentes, para atrair essa faixa da audiência), às vezes um “núcleo rural” (quando há fazendas envolvidas), etc. O que é normal num desses universos é às vezes impossível em outros. E haja gente de olhos arregalados e queixo caído.
Quem diz muitas cabeças diz muitas sentenças, porque todos nós vivemos em mundinhos particulares de crenças, opiniões e paradigmas. E a vida nos obriga a viver esbarrando em pessoas de crenças e paradigmas totalmente diversos. Mundos em colisão, como dizia Velikovsky, o apocalíptico. Quem está se abalroando não são planetas, são estilos de vida.
“Mas não é possível!”, exclama a advogada chique, ao ver a filha adolescente trazer para dentro de casa um namorado que é a cara de Neymar do Santos. “Mas não é possível!” exclama o torneiro mecânico ao ver no Jornal Nacional a notícia de que a indústria onde trabalha foi vendida para os chineses e vai demitir 2 mil trabalhadores. “Mas não é possível!” reage com pasmo o aposentado quando o gerente do Banco lhe informa que alguém usou seu cartão e limpou suas economias. Para todos esses personagens, o mundo se rasgou numa costura que jamais será refeita. O equilíbrio do Universo sofreu um certo abalo, e talvez nunca mais retorne.
Achamos que algo não é possível, em geral, porque avaliamos mal o caráter de outras pessoas, não calculamos do que ela são capazes. Folhetins e telenovelas estão cheias de lobos em pele de cordeiro, de heróis que se transformam em vilões ou vice-versa, de personagens insípidos que num momento de crise revelam recursos insuspeitados. Um velho preceito dos roteiristas de cinema ensina que um personagem deve ser suficientemente complexo para poder nos surpreender, mas suficientemente coerente para que essa surpresa, um segundo depois, seja aceita pelo público. A surpresa não pode ser gratuita, não pode ser extraída do nada. A reviravolta, quando acontece, já deve estar plantada desde antes, para que o leitor possa voltar atrás, reler certos detalhes, como tantas vezes ocorre no romance policial, e reconhecer: “É, tem razão, havia algumas pistas. Parecia impossível, mas estava ali, o tempo todo”.