(W. T. Benda)
Dizer que William Prendergast foi o maior ator britânico de
sua geração é um exagero, pois ele brilhou nos palcos londrinos na época de
gigantes como Henry Irving. Não
obstante, seu carisma e sua dedicação ao ofício o tornaram uma lenda dos palcos
desde sua demolidora estréia em 1870, numa montagem anticonvencional de “The
Golem” de Buckhardt, até seu misterioso e controvertido desaparecimento na
Suíça, no inverno de 1891.
O detetive Sherlock Holmes, em pessoa, tentou reconstituir o
trajeto percorrido por ele em seus últimos dias, mas, premido por outros
compromissos, abandonou a investigação. O que ninguém sabe é que na véspera de
anunciar esse abandono, Holmes, hospedado no hotel Böcklin, em Meiringen, recebeu
um chamado para que batesse à porta da suíte 603, onde foi recebido por uma
jovem loura, frágil, com sotaque italiano, diante de uma mesa posta para o chá.
“Desculpe-me este incômodo, Mr. Homes”, disse ela, “mas tenho
uma mensagem urgente para lhe transmitir. Sua experiência profissional, por
certo, já exigiu que o sr. se disfarçasse em outras pessoas, não é verdade?”.
Holmes assentiu, e ela continuou: “A arte do ator consiste em dar tudo de si
para a criação de um personagem. É um fenômeno que prova o domínio do espírito
sobre a matéria, a força que tem a mente humana para se impor ao corpo que a
mantém”. Pousando a xícara, a moça prosseguiu: “Desde o início da minha
carreira, decidi que todas as minhas energias seriam dedicadas a dar forma viva
e veraz aos personagens que me cabia recriar. Dar-lhes não apenas corpo e alma,
mas substância, matéria”.
Holmes ergueu os olhos. Diante dele, a silhueta esguia da
jovem ia sendo substituída por um vulto encorpado, e o vestido branco perdia o
brilho e a forma, enovelava-se sobre si mesmo em algo como um terno marrom. O
detetive fitou então o rosto quadrado de William Prendergast, viu-lhe a pele
suada, os olhos febris. “O problema”, disse a voz profunda do ator, “é que esse
processo, uma vez desencadeado, não se pode deter. Os personagens brotam de
dentro, não de fora, e uma vez aberta a porteira, nada os contém”. A visão de
Holmes se turvou diante daquela sucessão de vultos que surgiam à sua frente e
se fundiam no próximo: um padre irlandês, um cavaleiro medieval, um ilhéu de
Samoa, uma governanta, um adolescente atormentado...