Não sei a quem coube a escolha de nosso trio para trabalhar
um personagem como Mr. Morris Sternson, secretário do Athletic Club de Londres.
Um caráter pesadão, com pouco jogo de cintura, uma vida totalmente careta e
inatacável. Seria difícil torná-lo possível de praticar o Tresloucado Gesto. O
Roteiro exigia que fosse ele o autor de um atentado político, aos 42 anos, mas
quando ele nos foi entregue já estava com mais de 30 e tendo passado por várias
equipes. Nosso grupo era novo; queríamos mostrar uma certa virtuosidade,
queríamos nos exibir um pouco. Aceitamos.
Nas três horas de tutorial percebemos que tinham deixado o
algoritmo dele se cercar de loops intransponíveis, e ter criado níveis de
defesa nunca vistos. Ao que parece deram-lhe alguma autonomia, pensando com
isto dar-lhe liberdade; mas ele usou a autonomia para se encouraçar, se
entrincheirar por trás de fractais sucessivas de si mesmo. Foi MC Seven que
teve a idéia de desequilibrá-lo mentalmente, e eu complementei: “Melhor que
loucura: minar seu senso de realidade”, para, quando chegado o momento do
Tresloucado Gesto, ele estivesse fácil de induzir.
Aos 33 anos conseguimos apresentá-lo a um mesmerista (na
casa de Sir Elroy, que ele muito reverenciava), a uma poetisa surrealista (que
demos um jeito de introduzir em sua casa como amiga de sua esposa) e a um
filósofo. Em poucos meses ele indicava melhoras e ao fim de um ano e meio estava
envolvido com tertúlias teosóficas, e frequentava o chá do Bleeding Gate, um
pub de existencialistas irlandeses. D8 Blue ironizou, disse que desse jeito Mr.
Sternson iria praticar um gesto ainda mais tresloucado um ano antes do devido.
Eu descobri que uma livraria próxima ao Club tinha livros de Philip K. Dick,
traduções de Fernando Pessoa. Conseguimos fazer com que a frequentasse e por
fim chegasse aos livros.