José Alcides Pinto (1923-2008) é chamado por alguns de “escritor maldito cearense”. Esse termo maldito às vezes tem a conotação de “autor blasfemo, sacrílego, violento” e às vezes apenas de “escritor que não faz muita questão de ser estar sob os holofotes”. Seus títulos indicam temas recorrentes: Entre o sexo, a loucura e a morte, Cantos de Lúcifer, O Criador de Demônios etc. Loucura, satanismo, fatalidade e violência.
O Dragão é o primeiro romance da chamada Trilogia da
Maldição (Topbooks, 1999), que ainda inclui Os Verdes Abutres da Colina e João Pinto de Maria: Biografia de um Louco.
Esta primeira história não é um romance fantástico, embora esteja cheia
do “visionarismo alucinatório” que Ivan Junqueira comenta no prefácio.
Alto dos Angicos é um povoado perdido no sertão cearense, na
ribeira do Acaraú, castigado por desgraças de todo tipo: seca, enchente,
tempestade de areia, epidemias. A história é conduzida pelas andanças do Padre
Tibúrcio, um personagem vigoroso, reclamão, sem papas na língua, que passa o
tempo todo arregaçando as mangas para resolver problemas alheios e condenando
os matutos embrutecidos por sua ignorância, sua passividade, seu desânimo.
É uma literatura regional diferente da de Rachel de Queiroz
ou Graciliano. A observação social está presente, mas contaminada por um senso
do absurdo e da fatalidade, algo que aqueles autores usam de passagem, sem
forçar a mão. Alcides força a mão, e O Dragão é menos um romance naturalista
sobre o sertão do que um delírio expressionista ambientado entre açudes,
currais, casas de taipa, ruínas, lagartixas.
José Alcides foi também um poeta notável (ver aqui sua
página no Jornal de Poesia, de Soares Feitosa: http://tinyurl.com/pmcd4pc). Isso tem peso nas suas qualidades como
romancista: a prosa é vigorosa, densa, sonora. Em O Dragão, o elemento
fantástico paira junto com a sensação permanente de fim-do-mundo, e com
episódios isolados como este:
“Na festa do ano passado, o surpreendi na bodega do Maroca
fazendo uma demonstração do Capeta. Atirou o baralho na parede e as cartas
aderiram a ela como a um ímã. E o Demônio começou a chamá-las por uns nomezinhos
esquisitos: e os reis, os valetes, as damas voavam para ele e entravam-lhe
pelos bolsos do paletó, como um bando de diabinhos amestrados.”