Giulietta (L&PM, 1989) é o romance resultante do roteiro de Julieta dos Espíritos (1965), de Federico Fellini. A edição brasileira (tradução de José Antonio Pinheiro Machado) saiu simultaneamente com as edições italiana e alemã. O livro saiu 24 anos depois do filme; há muitos pontos de contato, a idéia geral do enredo, mas, no mais, livro e filme são diferentes.
Giulietta (a narradora do livro) é uma mulher tímida,
sensível, com uma autoestima um pouco baixa, ansiosa para agradar o maridão
rico, charmoso e infiel. As amigas são todas sofisticadíssimas, sensualíssimas,
moderníssimas e ela as contempla embevecida e resignada. Ela descreve a mãe
como “elegante, formosa, autoritária”, e vê-se logo que ela é a patinha feia da
família. Giulietta participa de umas sessões espíritas meio fajutas, entre
outras socialites (tema recorrente em Fellini: o
misticismo-como-entretenimento) e começa a receber visitas de uma tal de Íris,
um espírito que vem revelar-lhe alguns segredos da feminilidade.
Giulietta fica atarantada e jubilosa com as revelações. “Nós
mulheres sérias nunca pensamos nessas coisas; temos a impressão de que esse
tipo de coisa diz respeito, digamos assim, às putas. E quando passam os anos, de repente percebemos que nos enganamos
completamente e que a razão estava com elas, as putas. Muito mais importante do
que manter a casa em ordem, do que ir ao cinema com o marido, do que garantir
domingos divertidos em família... nós deveríamos ser... não digo que deveríamos
ser mais putas... mas enfim, no fundo, é isso mesmo: ser mais putas”.
Essas idas-e-vindas ansiosas anunciam um renascimento que
num filme norte-americano talvez resultasse em Giulietta se transformando numa
“sereia vulcânica da Broadway”, mas Fellini opta (no filme e no livro) por
outra solução. Como o filme veio antes, é impossível deixar de ver a personagem
do livro sem as expressões da atriz Giulietta Masina: seu rostinho atento a tudo,
os olhos ansiosos, meio dissimulados, o semissorriso permanente e oblíquo com
que ela parece achar graça nas saias-justas em que se mete.