Dizem que este filme de Billy Wilder, em sua primeira versão, começava com vários cadáveres conversando num necrotério. Cada um dizia como tinha morrido, e então era a vez de Joe Gillis (William Holden) contar sua história. As audiências-teste acharam a cena ridícula, o diretor teve que refazê-la, e ficou um dos melhores começos de filmes hollywoodianos. A voz em off acompanha a chegada da polícia à mansão, mostra ironicamente o cadáver boiando na piscina, e diz: “Esse cara morto aí sou eu. Agora vou contar como tudo começou.” (Não exatamente assim; é um texto excelente.)
O filme sobre a estrela decadente Norma Desmond é contado
pelo roteirista desempregado e a-perigo Joe Gillis. É um bom sujeito, meio
malandro mas fundamentalmente um cara que quer apenas arranjar trabalho para
pagar as dívidas e não perder o automóvel. Ele começa como “script doctor” para
dar uma organizada no roteiro faraônico escrito pela ex-atriz, e termina como
playboy teúdo e manteúdo. Prisioneiro, como se fosse um personagem de Twilight
Zone, de uma mansão parada no tempo, de onde quem ousa entrar não consegue
sair.
A estrela, que aparece com um turbante que não deixa de
lembrar Carmen Miranda, o contrata porque ele é de Sagitário. As portas internas da casa não têm
fechaduras. “Madame tem crises de melancolia, e já tentou o suicídio”, diz o
mordomo (que parece um general prussiano) Max von Mayerling, interpretado por
Erich von Stroheim. Aconselho ver a
versão comentada do DVD, onde um crítico mostra todas as intrusões da vida real
no filme, desde a lanchonete onde o pessoal de Hollywood comia e bebia na
madruga até aparições rápidas de Cecil B. de Mill e Buster Keaton interpretando
a si mesmos. O filme, aliás, faz referências visíveis ao passado dos próprios
atores, que interpretam caricaturas de si mesmos.
É um dos filmes mais cáusticos já feitos sobre Hollywood, e
é de admirar que tenha sido feito nos mesmos estúdios (no caso, a Paramount)
cuja vida ilha-da-fantasia ele se propõe a criticar. Algumas cenas estão a um
passo do surrealismo de Buñuel em L’Âge d’Or: o baile de reveillon para duas
pessoas, o velório do macaco, o jogo de baralho dos ex-atores. É a Hollywood de
baixo vingando-se com sarcasmo da Hollywood de cima.