quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

3079) Leitura e diversão (10.1.2013)




(ilustração: Valentine Rekunenko)


Qual seria o motivo sério que poderíamos opor ao da leitura por diversão, por entretenimento? Estudo, pesquisa? Aprimoramento espiritual? Elevação intelectual? Isso pode até ocorrer, mas não é em função disso que eu leio, e acho que o mesmo ocorre a muita gente. 

Quando leio autores ditos difíceis estou disposto a investir um certo esforço em busca de uma experiência mental que eu não teria de outra forma. Quando leio para me divertir, procuro um livro que não vai me exigir muito esforço e que provavelmente vai me dar uma experiência não-problemática, relaxante. 

Claro que de pessoa para pessoa essas receitas variam. Ler Guimarães Rosa (a cujo estilo estou habituado) para mim é uma diversão, mais do que ler certos autores jovens de hoje, nos quais preciso passar meia hora em cada página, porque eles usam uma organização de prosa com que não tenho familiaridade.

A literatura nos propõe uma “experiência recompensadora”. Lemos livros para viver indiretamente experiências alheias, projetadas nos personagens e situações que imaginamos a partir dos textos. Essas experiências são recompensadoras de vários modos, dando-nos acesso a uma percepção da vida humana mais intensa do que a da vida real, porque é uma experiência distanciada. 

Uma experiência maleável: podemos voltar atrás e reler um capítulo inteiro, aprofundando e enriquecendo a primeira leitura. 

Experiência virtual: o caráter não concreto da experiência nos permite vivenciar situações que não ousaríamos vivenciar na vida real, ou que, se vivenciadas, nos trariam mais ansiedade do que prazer (histórias de terror ou de violência, p. ex.). 

Experiência impermeável: com exceção dos efeitos psicológicos, nada do livro passa para a vida do leitor, nada contamina seu corpo, nada o atinge fisicamente.

O que nos diverte, afinal, lendo um criador de situações torturadas como Dostoiévski? Em casos assim, a diversão não nasce das situações em si (elas são muitas vezes penosas) mas do fato de que podemos vivenciá-las sem compromisso, sem nenhum grau de envolvimento que não dependa unicamente de nossa decisão. 

A angústia dostoievskiana é só dele, e podemos até usá-la como um recurso que nos faz retornar mais relaxados para uma vida real em que tragédias íntimas daquela dimensão raramente acontecem. 

Por outro lado, se o livro nos propõe uma “realidade projetada” que gostaríamos de experimentar sem reservas (uma história de amor feliz, uma história, engraçada, etc.), basta-nos reduzir o foco de distanciamento e mergulhar de cabeça no mundo da narrativa; esta é a experiência proposta pela ficção dita escapista ou de mera diversão.