(ilustração: Wendy MacNaughton)
O filósofo Markus Gabriel (autor de Why The World Does Not
Exist, http://tinyurl.com/nk9yge6)
reconhece a dificuldade em provar conceitualmente que o mundo existe, embora
isso nos pareça óbvio. Se bem que nem
tanto. Qualquer passagem por um estado alterado de consciência, pela aplicação
de drogas ou por algum surto psicótico, mostra que mesmo a solidez material do
mundo se evapora com facilidade.
O filósofo reconhece que nossa mente nunca
poderá abarcar 100% do mundo real, mas sugere que ela trabalha com “campos de
sentido” que são “domínios finitos de conexões significativas” e que a
superposição desses campos, em nossa mente, produz uma impressão de
espessamento da realidade. Nunca teremos uma certeza de 100%, mas a maioria de
nós maneja uma percentagem que dá para tocar o barco.
É algo parecido com certas funções matemáticas que, quanto
mais avançam rumo a um limite, mais lentamente passam a avançar, de modo que
esse limite provavelmente jamais será atingido. Mas mesmos os micro-avanços ou
nano-avanços dessa fase final já são alguma coisa, e na verdade não precisamos
de uma certeza absoluta para viver. Só quem precisa disso são os filósofos; é
requisito da profissão.
Às vezes questionamos nossa certeza sobre o Mundo Real
invocando aqueles sonhos que nos dão uma impressão intensa de realidade. No
meio do sonho, temos a mais completa certeza de que aquilo está acontecendo
mesmo. É uma certeza mental tão grande que produz resultados físicos sem
estimulação física, como pode atestar qualquer pessoa que tenha experimentado
um orgasmo durante um sonho erótico.
Acontece que nossa certeza no sonho é um “campo de sentido”
limitado, que exclui o mundo material à nossa volta. Dormindo, acessamos a
biblioteca-de-babel do nosso Inconsciente, mas o que ganhamos em intensidade
perdemos em amplitude.
Acordados, a proporção se inverte. Passamos a atuar num conjunto
muito amplo de “campos de sentido”, o qual inclui nosso corpo, os cinco
sentidos, nossa casa, outras pessoas, coisas, o universo material. E temos todo
o direito de afirmar, como afirmo agora, que essa realidade é mais próxima de
alguma “realidade última do mundo” do que o universo solipsista da minha mente
adormecida. (Literariamente, acho o mundo do sonho mais verdadeiro, mas esta é
outra questão.)
Como dizia Ariano Suassuna, se você e uma
onça faminta estiverem num mesmo plano de interação, não fique pensando que o
filósofo Kant não o autoriza a atestar que a onça é verdadeira: corra!