quarta-feira, 18 de novembro de 2015

3975) Palavras raras (19.11.2015)



Reunião de condomínio é sempre um saco. Eu só vou quando convocado oficialmente pelo síndico. Aí é mais um-saco ainda, tipo ontem. Se queixaram do som alto, do entra-e-sai durante a noite, da saia curta de A, do cabelo rasta de B, o trelelê de sempre.  A madame do 205 ergueu o dedo no ar, discursou, falou que era um absurdo, que alguma providência tinha que ser tomada, e por aí foi. Quando terminou eu fiz uma cara compungida e falei: “Está bem, está bem, afinal de contas estamos numa gerontocracia.” Ela entreparou, ajeitou o cabelo e disse: “Obrigada.”

Dona Lurdes ficava de vez em quando em pé de guerra quando via o Dr. Aurélio gastando demais com ternos caros, uísques importados, e principalmente sua coleção de jogos de xadrez de marfim, de jade, de pedra-sabão. Ele ria, dizia que tinha direito àquilo, ganhava bem. Uma vez ela disse: “Você só compra isso para se gabar diante dos amigos.” Ele respondeu: “Meu amor, todo homem tem direito a um sonho na vida.” Ela disse: “Aurélio, pare de tergiversar.” Os olhos dele se arregalaram e ele a abraçou, exclamando: “Sabia que eu sou doido por você?!”

Era um debate entre estudantes, com revindicações à reitoria, críticas à grade curricular, e tudo o mais. A certa altura um rapaz de cabelo ruivo encaracolado pediu a palavra e disse: “Temos que marcar posição, precisamos reunir massa crítica para exercer pressão, mas me preocupa ver que os nossos colegas, em sua grande maioria, permanecem abúlicos.”  Houve um breve e interminável segundo de assimilação, mas logo um rapaz de barba preta ergueu a mão no ar e disse: “Não somente abúlicos, estão todos catatônicos.” Foi o começo de um boa amizade.

Quando alguém visitava a casa de Filipinho, e os pais dele sentavam de roupa trocada, fazendo sala, havia sempre um momento em que alguém olhava o retrato do avô dele na parede, com seu uniforme. Perguntavam quem era, a mãe de Filipinho explicava que era o pai dela. “Ele era oficial do exército?”, perguntavam sempre. E a mãe dizia, num tom meio casual: “Sim, ele era anspeçada.”  Filipinho não lembrava de alguém jamais ter perguntado o que era. Ele mesmo não tinha.

Estávamos tomando umas e outras na ampla varanda do apartamento de Vasco Teixeira, o conhecido publicitário. A conversa girava em torno de dinheiro. Um falava nos investimentos bancários, outro confessou ter conta na Suíça, “coisa pequena, por enquanto, mas coisa honesta”, outro mencionou mercados futuros e bolsa Nasdaq. Alguém perguntou: “E você?”  Eu dei um gole e falei: “Eu vivo do meu estipêndio.” Deu um branco geral, tela-azul em todo mundo. Vasco acabou perguntando: “Mais uísque, alguém?...”