quarta-feira, 17 de novembro de 2010
2403) Paul McCartney (17.11.2010)
Dizem que quando a mãe morreu Paul perguntou chorando ao pai: “E agora? Como vamos fazer, sem o dinheiro dela?”. A mentalidade prática nunca abandonou esse rapaz de rostinho bonito e um talento musical como poucos da sua geração e do seu país. Adolescente, costumava dormir com a guitarra na cama; trocou-a pela atriz Jane Asher, que era uma gracinha, além de ser inteligente, culta, e de ter colocado o namorado em contato com a vanguarda londrina do teatro e das artes plásticas. Deu a Paul, a partir de 1963, a mesma abertura de horizontes que Yoko Ono deu a John a partir de 1967. Paul passou a se interessar por literatura, por música erudita e de vanguarda, um tipo de conhecimento que iria emergir nos discos criados em estúdio pelos Beatles poucos anos depois.
Ainda assim, ele não perdeu a irreverência e a molecagem que tornava os Beatles tão encantadores para os sisudos londrinos. Quando uma jornalista meio intelectual lhe disse que estava lendo The Naked Lunch de William Burroughs, Paul replicou que estava lendo “The Packed Lunch”, de “Greedy Blighter”. Era o típico humor liverpudliano, uma mistura de nonsense, menosprezo à pomposidade, trocadilho na ponta da língua.
Os oito anos dos Beatles foram a história de uma lenta transição de poder entre a liderança de Lennon numa primeira fase e a de MacCartney (mais musical, mais perfeccionista, mais ralador) depois que o grupo trocou os palcos pelo estúdio. Sgt. Pepper’s é, de acordo com todos os depoimentos, um trabalho em que ele tomou a dianteira e os outros aderiram. Ele não era infalível. A catástrofe de produção que foi Magical Mystery Tour surgiu de uma idéia sua (“Vamos encher um ônibus com anões, mulheres gordas e gente excêntrica, sair viajando e filmar o que acontece!”) que não contou com Brian Epstein, a essa altura falecido, na produção executiva.
Paul era, de longe, o Beatle musicalmente mais dotado. A influência de seu pai, Jim, lhe trouxe uma formação em ritmos dos anos 1920-30, que iriam emergir em canções como “When I’m sixty-four”, “Honey Pie”, “Lady Madonna”, “Your mother should know”, etc.. Era também fascinado pelas “canções que contam historinhas com personagens”, o que resultou em músicas como “Lovely Rita”, “Eleanor Rigby”, “She’s leaving home”, “Rocky Raccoon”, além de outras mais bobinhas, que Lennon detestava (“Ob-La-Di, Ob-La-Da”, “Maxwell’s Silver Hammer”).
Na fase pós-Beatles, foi o que teve carreira comercial mais sólida, enquanto Lennon produzia uma obra mais pessoal e mais inquietante. Paul foi o primeiro Beatle a fazer trilha sonora para um filme (Lua de Mel ao Meio-Dia, 1966), e o primeiro a compor uma peça erudita de grandes dimensões, o Liverpool Oratorio (1991), em oito movimentos, em parceria com Carl Davis. Ele e Ringo, os Beatles que sobrevivem, continuam parecidos com os garotos que eram em 1966, e que, com sorte, continuarão ser para sempre, amém.
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