(Drummond, menino)
A poesia erótica de Carlos Drummond está reunida e
concentrada no livro O amor natural (1992) onde se exprime de maneira
intensa, contida, e ao mesmo tempo livre, espontânea e alegre. Do jeito do
poeta, que tinha seu lado filósofo e seu lado moleque. Mas já em Alguma
Poesia (1930), seu primeiro livro, o poeta infiltrava memórias iniciais do
fenômeno sexual, visto através daqueles olhos de criança antiga, que muitos
anos depois nos deram Boitempo. É o caso de “Iniciação sexual”, onde o menino
conta: “A rede entre duas mangueiras / balançava no mundo profundo. / O dia era
quente, sem vento. / O sol lá em cima, / as folhas no meio, / o dia era quente.
/ E como eu não tinha o que fazer ficava namorando as pernas morenas da
lavadeira”.
É o velho erotismo entre patrões e escravos, aquela
promiscuidade tropical e cúmplice que misturava negros e brancos, sinhozinhos e
mucamas. A extinção da escravatura não mudou quase nada na relação posterior
entre patrõezinhos e empregadas, numa sedução recíproca em que as vantagens de
raça, gênero e poder, de um lado, eram contrabalançadas pela idade e vivência
do outro. Na memória (ou fantasia) do poeta, nasce do menino o interesse, mas
vem da mulher adulta a iniciativa: “Um dia ela veio para a rede, / se enroscou
nos meus braços, / me deu um abraço / me deu as maminhas / que eram só minhas.
/ A rede virou, / o mundo afundou.”
Interessante como nestes dois últimos versos, comparados aos
dois versos iniciais do poema, é de fato como se o mundo fosse “telescopado”
para dentro de si mesmo, como se tudo deixasse de existir. E o poema termina:
“Depois fui para a cama / febre 40 graus febre. / Uma lavadeira imensa, com
duas tetas imensas, girava no espaço verde”. É a coexistência entre o impulso
sexual juvenil e a languidez dos meninos brancos, como lembra o Padre Gama,
citado em Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre, os meninos “tratados
com tantas cautelas de sol, de chuva, de sereno, e de tudo, que os pobres
adquirem uma constituição débil, e tão impressionável que qualquer ar os
constipa, qualquer solzinho lhes causa febre, qualquer comida lhes produz indigestão,
qualquer passeio os fadiga, e molesta”.
Este poema se conecta com
“Infância”, onde já estão as mangueiras e a preta. Mas aqui existe o desejo,
existe o enxerimento, existem os olhos compridos que o menino bota para as
pernas da mulher negra. A ideologia politicamente correta de hoje se dividiria
entre denunciar o assédio sexual machista, por parte dele, ou a sedução
pedófila, por parte dela. O poeta-menino fica apenas com a lembrança febril do
sexo que se mistura ao aleitamento materno.