Um tradutor de verdade é um homem preso. Ele está preso a duas bolas-de-ferro-com-correntes que nem Janis Joplin seria capaz de arrastar. Em primeiro lugar, está preso à aceitação da existência de algum tipo de pacto supervisionador de tudo que ele irá colocar no papel. Pra ser mais exato, o tradutor é um homem preso a dois pactos.
O primeiro pacto é com o autor: “Prometo dar o meu sangue
para que o leitor do seu livro em português tenha uma experiência estética que
se equivalha à experiência dos que o leram no original; e que essas duas
experiências distantes tenham tantos pontos de semelhança que dois leitores de
duas versões possam conversar entre si uma tarde inteira e trocar impressões
sem lembrar que leram livros diferentes, em línguas diferentes.” O segundo
pacto é com o leitor, e é um pacto que pode ser, de um jeito meio irreverente,
reproduzido como: “Comerás um gato, mas com um sabor-artificial-de-lebre no capricho.”
Porque mesmo a melhor tradução não é a real coisa. a coisa-em-si.
O tradutor se resigna a vir atrás, a ser o “second best” , a
ser o “quase-perfeito”, a tentar (tentar! conseguir é outra façanha!)
acompanhar o original como a sombra acompanha um corpo em movimento. Isso é o
que toda tradução tenta. É possível?
Não há como (estatisticamente) a frase brasileira acompanhar a métrica da frase
inglesa, mas existe uma sensação mais ampla de ritmo, de arcos de ascensão,
pico e descenso. Dependendo do autor
(porque há muitos onde essa precaução, infelizmente, é desnecessária) é preciso
prestar atenção à sua música, tanto quanto ao seu sentido. Há uma certa música,
nem que seja na sucessão de estruturas rítmicas bem amplas, recorrentes. E os
breques, o muro de pedra.
Numa entrevista, Garcia Márquez diz mais ou menos que é
preciso primeiro encontrar e depois manter a voz narrativa daquela história, e
que muitas coisas que são ditas não têm grande importância factual, estão ali
apenas para manter o ritmo hipnótico do tom e da cadência da voz que foi
escolhida.