(G. K. Chesterton)
Será que o leitor de literatura policial (especialmente a do
que chamamos de “mistério detetivesco”) é um leitor diferente de todos os
outros? Jorge Luís Borges dizia que sim,
dizia que foi a literatura de Edgar Poe e Conan Doyle que criou esse leitor
desconfiado, que não havia antes na tradição literária. Um leitor em-guarda, de
pé atrás, meio paranóico, que desconfia de tudo que lhe é contado. (Nesse
sentido, o leitor de livro policial é o contrário do leitor de literatura
fantástica, do qual o que se espera é justamente uma “voluntária suspensão da
descrença”).
Chesterton dizia algo parecido com o escritor de romance
policial, que para ele não era um escritor como os outros. Seu detetive, o Padre Brown, às vezes parece
uma fotografia de Cartier-Bresson convivendo com gravuras em metal de romances
antigos. Disse ele uma vez que escrevia para esquentar o mercado da literatura
policial (a expressão é minha, não dele) e fazer com que fossem escritos muitos
outros livros (diz ele), porque na verdade o que ele queria era ter muita coisa
do gênero para ler. (Aqui: http://tinyurl.com/o6jar5n).
Porque (continua Chesterton) o escritor de romance policial
deixa de desfrutar do maior prazer do leitor do gênero, que é defrontar-se com
um mistério inexplicável, e sair deslindando tudo, fio por fio. O escritor foi
quem criou o mistério, portanto ele já sabe como o mistério acaba. Ele é o Guardião
do Spoiler Terminal. Ele sabe tudo, portanto ele não consegue se encantar com
nada. Daí precisar de livros alheios.
R. L. Stevenson conta em seu “Episódio sobre Sonhos” que em sonho imaginou uma história melodramática de amor e crime, e que no momento do desfecho jamais poderia ter esperado a reviravolta que houve na situação. “Mas como pode ser,” pergunta ele, “como pude ignorar essa surpresa, se era a minha própria mente que estava criando o que eu estava assistindo?”. Em todo caso, a capacidade de ler um parágrafo que a gente acabou se escrever com os olhos de alguém que nunca leu aquilo é algo que se desenvolve, se exercita. Ajuda a escrever, ajuda a deixar as coisas da página com um certo 3D.