quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

1667) Jogadores e marias-chuteiras (16.7.2008)


Certas coisas no futebol me chamam a atenção. Dias atrás alguns jogadores do Flamengo, após um jogo em Belo Horizonte, envolveram-se numa confusão com garotas de programa. Fizeram uma festinha num sítio, trouxeram mulheres, bebidas. A certa altura, um dos jogadores queria transar sem usar camisinha, a prostituta (que tinha mais juízo do que ele) protestou, houve um bate-boca, uma agressão sem maior gravidade, e foram parar na delegacia. Ao que parece, as garotas tinham sido contratadas por R$ 350,00 reais por cabeça para animar a festa.

Isto ocorre poucas semanas depois do episódio em que Ronaldo Fenômeno se envolveu numa confusão semelhante, desta vez ele sozinho com três travestis. Mais uma vez foram parar na delegacia, saiu nos jornais, etc. e tal. E não pude deixar de lembrar outra famosa farra que jogadores do Flamengo (na época era o time que tinha Romário, Iranildo, Beto, etc.) fizeram em Porto Alegre após um jogo. O bundalelê foi descoberto pela diretoria, e a crise precipitou a saída de Romário do time rubronegro. As trêfegas moçoilas gaúchas deram até entrevista no “Jornal Nacional”, protegendo as identidades (e as fisionomias) com meias-máscaras cobertas de purpurina colorida. Como disse um irreverente amigo meu, “era cada jaburu de trincar espelho”.

O que os torcedores se perguntam nas mesas de bar, após episódios assim, é, basicamente: “Por que diabo esses jogadores, que ganham verdadeiras fortunas, preferem sair com esse tipo de mulheres, em vez de ficarem namorando as modelos-e-atrizes que provavelmente conseguiriam, se tentassem?” O cara pode pegar uma misse, uma apresentadora de TV, uma socialaite... Por que fica correndo atrás das dolores-sierras do Distrito da Luz Vermelha?

Acho que por um lado é uma questão de conforto íntimo. Muitos jogadores são rapazes do povo, cuja vida sexual se deu com esse tipo de mulheres, desde a adolescência. Mesmo depois de ricos e famosos, jogando na Europa ou nas Arábias, eles gostam de retornar àquele ambiente. Em parte por nostalgia. E em parte porque se sentem mais à vontade com essas garotas do que com torcedoras dinamarquesas ou alemãs.

E há outra coisa. A relação cliente-prostituta é, muitas vezes, uma das mais francas e honestas que ocorrem entre homem e mulher. Os dois combinam um preço e um cardápio de serviços. Finda a transação, vai cada um para seu lado. E os jogadores de futebol, por mais malandros que sejam, sentem eternamente pesando sobre seus pescoços a ameaça das marias-chuteiras. Elas vivem de tocaia, armando o bote, prontas para engravidar na primeira transadinha às pressas. Depois de grávidas, depois de mães, lançam mão da parafernália jurídica à sua disposição para sugar os salários e contratos do inadvertido pai, até que ele encerre a carreira aos 40 anos como reserva de algum time de série C. Pra que correr esse risco? Melhor pagar trezentos-e-cinquentinha, abrir uma cerveja e relaxar.

1666) A Lei Seca (15.7.2008)



Está aí um dos raros lampejos de sensatez que já brotaram neste Brasil velho de guerra: punir as pessoas que dirigem sob o efeito do álcool. Sou suspeito para falar, porque não sei dirigir e nunca tive carro. Para mim, portanto, não muda nada, porque sempre que tomei umas e outras voltei para casa de táxi, ou a pé, ou trazido por alguém. As únicas vezes em que cometi alguma imprudência automobilística foi quando voltei para casa pegando carona com amigos (e já foram centenas) que tinham bebido tanto quanto eu, e o fato de estar aqui vivo e batucando nas teclas deve-se simplesmente à Deusa Sorte.

A Lei Seca que está vigorando nas últimas semanas tem reduzido a quantidade de acidentes de trânsito e de vítimas. Em algumas capitais, como Niterói, essa redução chegou a mais de 40%. Qualquer um de nós, se indagado de surpresa, consegue lembrar dois ou três casos concretos de amigos ou conhecidos que foram vitimados por bêbados ao volante: atropelados na rua ou na calçada, ou esmagados em colisões absurdas. Porque no trânsito não basta você ser correto, eficiente e prudente para ter certeza de que está seguro. Quando menos espera, um bêbado estúpido corta um sinal a 150 km por hora e espatifa um carro com uma família dentro.

Ouço na TV a previsível lenga-lenga de que isto é uma interferência nas “liberdades individuais”, é “a volta da ditadura” e outras idiotices. Meu amigo, se for assim, o simples fato de existirem regras de trânsito, sinais semafóricos e faixas para pedestres também é uma interferência gigantesca nas liberdades individuais. A Liberdade é, teoricamente, um ponto ótimo de equilíbrio entre Ordem e Caos. Os que protestam contra a Lei Seca não querem a Liberdade. São como garotos mimados que não deixam ninguém ver TV em paz, que jogam no chão o prato do almoço, que se recusam a tomar banho ou a estudar. Isso não é liberdade, é falta de um corretivo.

O brasileiro já demonstrou fartamente que os corretivos mais eficazes em nosso país são os do bolso. Temos mais medo de perder dinheiro do que de ir para a cadeia. Se as multas forem aplicadas pra valer, as mortes no trânsito cairão de forma espantosa. Claro que nem tudo é perfeito, e as piadas se multiplicam. Já se diz que hoje em dia só os guardas de trânsito estão “tomando uma cervejinha”, ou que os acidentes aumentaram porque os bebuns passaram o volante do carro para as mulheres.

O brasileiro tem bom humor, e nunca esse bom humor (e criatividade) foi tão necessário como agora. Bares se oferecem para deixar os clientes em casa; amigos alugam vans para trazê-los do boteco; pessoas que não bebem são dispensadas de colaborar na conta desde que deixem os amigos em casa; casais se revezam no copo e no volante... Soluções não faltam. Educação não é ditadura. Nunca se bebeu tanto neste país, e nunca se matou tanta gente no trânsito. Não custa nada bebermos todos um pouco menos e vivermos todos um pouco mais, inclusive para continuar bebendo.

1665) Parabéns, Vasco da Gama (13.7.2008)



Uma das melhores notícias recentes no futebol brasileiro foi a eleição de Roberto Dinamite para presidente do Vasco. Dinamite impôs uma derrota substancial ao grupo chefiado por Eurico Miranda, que há vinte e tantos anos se apossou do clube de São Januário com a mesma cara-de-pau com que Saddam Hussein havia se apossado do Iraque, e com a mesma “legitimidade” com que o presidente Mugabe vem se perpetuando no Zimbábue. Eu vejo os problemas vascaínos à distância, sem esquentar a cabeça. Já que eu torço pelo Flamengo, eles que são vascaínos que se entendam. Mas acima de Flamengo sou um esportista, e não gosto de ver um clube tradicional brasileiro, adversário ou não, sendo seqüestrado por uma quadrilha de aproveitadores.

O Vasco é um clube diferente de todos os outros do Rio. É o mais popular dos clubes cariocas. Bem sei que a torcida do Flamengo é a mais numerosa, mas o Vasco é popular pela sua origem e sua história, mesmo tendo surgido, paradoxalmente, como um clube que representava a colônia portuguesa. Dos quatro grandes clubes do Rio, o Vasco é o único sediado na Zona Norte (seu estádio é em São Januário, a pouca distância da nossa nordestiníssima Feira de São Cristóvão). Flamengo, Fluminense e Botafogo são clubes enraizados e estabelecidos na Zona Sul. Por outro lado, o Vasco foi o primeiro clube do Rio a permitir que negros jogassem em suas equipes, numa época em que o Fluminense, por exemplo, fazia com que os jogadores mulatos passassem pó de arroz no rosto para poderem entrar em campo, o que deu origem ao apelido tradicional.

Do ponto de vista sociológico, o Vasco é um clube parecido com o Treze, e os demais são, por suas origens, “clubes cartolas” muito semelhantes ao Campinense. (Algum engraçadinho virá me perguntar por que então eu não torço pelo Vasco. A resposta é que a gente não escolhe essas coisas sociologicamente. São afinidades eletivas, paixões sem arrazoado ou justificação.) Por isso festejo a saída de Eurico Miranda e sua quadrilha, embora saiba que isso provavelmente irá fortalecer o Vasco como clube e como time adversário.

Por que motivo sujeitos como Eurico Miranda se instalam e se perpetuam num clube? Resposta: porque a massa anônima gosta de caudilhos. Eurico brigava com todo mundo em nome do Vasco, e isso é tudo que a massa queria ver. Eurico é o protótipo do caudilho nacionalista, a meio caminho do fascismo, que beija chorando a bandeira, grita que dará a vida por ela, e faz a multidão delirar. A multidão não quer bons administradores, quer um torcedor no poder. Não importa se ele é ladrão ou criminoso, desde que seu amor pela bandeira seja visivelmente sincero, pois é esse amor que o une à multidão. “É um dos nossos,” suspira aliviado o torcedor, e vai dormir em paz. Pois bem, amigos vascaínos, Roberto Dinamite também é um de vocês, sobre isso não há dúvidas. Ele que arrume a casa, equilibre as contas, reforme o time... e pode vir quente que eu estou fervendo.