(Blow-Up, de Michelangelo Antonioni)
Existe na cultura oriental uma valorização do Acaso, do Momento, que parece estar ausente não apenas da mentalidade racionalista do Ocidente, mas até mesmo do misticismo ocidental.
Há dois exemplos que me parecem bem típicos.
O primeiro é o I-Ching, o oráculo chinês onde moedas são jogadas ao acaso um certo número de vezes; pela combinação de caras e coroas forma-se um desenho de linhas inteiras ou partidas, que expressa o sentido mais profundo daquele momento.
O segundo exemplo é o do jogo africano dos búzios, e para efeito da presente idéia peço que aceitem a cultura africana como cultura “oriental”, no sentido metafórico de “não-ocidental”, voltada mais para o pensamento mágico do que para o pensamento racionalista.
A posição em que os búzios caem, quando jogados ao acaso, revela algo sobre a pessoa que faz a consulta. Parece que, em geral, são precisos vários arremessos sucessivos dos búzios para que o “desenho” vá se formando.
A arte da fotografia tem um pouco a ver com isto, porque envolve também a captação de um momento privilegiado.
Folheando um álbum ou vendo uma exposição de fotos, vemos todo o tempo flagrantes que registram um instante único do tempo. Não me refiro aos flagrantes jornalísticos onde alguém consegue fotografar o choque de dois carros, o tiro disparado contra um presidente. Isto tem o seu valor, mas mais fascinante é o minúsculo evento, de importância apenas cotidiana, flagrado por uma câmara que coincidiu de estar justamente ali naquele lugar e naquele instante.
O reflexo de um out-door no vidro de um carro parado no sinal. Duas nuvens idênticas pousadas sobre duas montanhas contíguas. Pessoas que se cruzam numa rua movimentada formando, sem o saber, um padrão geométrico. Tudo isto são exemplos de fotos que não poderiam ter sido feitas minutos antes ou minutos depois (às vezes, alguns segundos apenas).
Daí, talvez, o clique-clique incessante dos fotógrafos profissionais quando andam pelo mundo afora. Os instantes mágicos existem. Mas ninguém os veria se não fosse aquela câmara que conseguiu surpreendê-los no único momento possível.
O próprio fotógrafo, muitas vezes, não tem plena consciência do que registra, e só depois, a ver a foto (como no filme Blow-up) percebe o que seus olhos não haviam percebido.
Mal comparando, é o que acontece com quem escreve poesia. É um ato tão intencional quanto o de fotografar, e é igualmente sujeito ao Acaso.
Escrever poemas é em grande medida um jogo-de-búzios verbal, onde jogamos palavras ou idéias no papel, e passamos 2 ou 3 minutos a riscar, emendar, substituir, permutar, inverter...
Cada tentativa nos aproxima de algo que não sabemos o que é, até que, por um desses milhões de milagres de que é feita a criação artística, tudo se encaixa, tudo se engata, e erguemos o olhar da página sabemos que fotografamos naquele momento uma frase que jamais nos ocorreria na véspera ou no dia seguinte.