Vi num filme americano uma cena de um mendigo na rua tendo ao pescoço um letreiro escrito “Will work for food”. A legenda eletrônica traduziu: “Will trabalha por comida”. O erro é fácil de entender. Como o sujeito “I” (“eu”) foi omitido, o tradutor pensou que “will”, em vez de verbo auxiliar, era nome próprio, o apelido habitual de “William”. A tradução correta seria “Trabalharei por comida”, mas quem traduz legendas às vezes não recebe uma cópia do filme (ou não tem tempo de vê-lo), e sim uma transcrição dos diálogos e das frases escritas que surgem na tela. Sem saber o contexto, é difícil acertar.
Um amigo meu viu num filme francês um gangster tentando montar às pressas um mecanismo (uma bomba, algo assim), enquanto outro, ao seu lado, aconselhava: “Docemente... docemente...” Pode até ser que “doucement” se possa traduzir assim noutro contexto (“elle me parlait doucement”, “ela me falava com doçura”), mas dito em tom de advertência ou de orientação traduz-se melhor por “devagarinho – com cuidado—etc.” Essas pequenas expressões coloquiais são famosas pela sua falta de literalidade, ou seja, por usarem palavras que só têm uma relação distante com o que se quer exprimir. A mesma cena em inglês talvez tivesse o personagem aconselhando ao outro: “Easy... easy...”, e seria igualmente errado traduzir isto como “Fácil... fácil”. Mais uma vez o certo seria qualquer coisa como “Vai devagar... atenção... cuidado...” ou qualquer variante.
Outra cena que vi dias atrás, num filme falado em inglês, mostrava um personagem dando uma ordem a outro, e este retrucava, na legenda: “Sem saída!” Está claro que o diálogo original dizia: “No way!” O erro é compreensível, mas não tem desculpa. “No way” pode significar “sem saída” se estiver escrito numa placa ou coisa semelhante. Mas num diálogo, respondendo a um pedido ou a uma exigência, tem que ser traduzido por algo tipo “De jeito nenhum!”, “Nem pensar!”, etc.
Uma expressão que volta e meia desorienta os tradutores de legendas é numa cena em que há uma pessoa chorando (de dor, etc.) e outra tentando consolá-la e fazer com que durma – geralmente uma mãe consolando uma criança. E ela diz: “There... there...” Traduzir isto por “Ali... ali...” é uma grande mancada, mas pobre do tradutor que recebe apenas uma lista de falas por escrito e não tem noção do que está acontecendo na tela. A tradução correta nesse contexto pode ser um milhão de coisas: “Vamos, vamos... já vai passar (a dor)... está tudo bem...” Qualquer expressão reconfortante que se diz para amenizar a dor ou a tristeza de alguém. Por que motivo os que falam inglês usam o “there”, confesso que não sei.
O mercado profissional de legendagem de filmes, que antes tinha que lidar apenas com as cópias exibidas nos cinemas, teve que se ampliar para incluir milhares de títulos de DVDs por ano. O trabalho às vezes é feito às pressas, mal pago, mal revisado. Mas, fazer o quê? Will trabalha por comida.