terça-feira, 26 de outubro de 2010
2383) A Presidência segundo P K Dick (26.10.2010)
O livro de estreia de Philip K. Dick foi Loteria Solar (1955), onde ele misturou a “pulp fiction” de ação & aventura da sua época e as ideias inesperadas que passaria a introduzir no gênero até sua morte em 1982.
No ano de 2023, a escolha do Presidente (chamado de “Quizmaster”) é realizada através de um sorteio entre os ”power cards” dos cidadãos (uma mistura de cartão de crédito e CPF), de modo que qualquer um, em tese, pode ser levado à presidência de um momento para outro.
A criação desse sistema visa a diluir as tradicionais formas de pressão política (partidos, etc.), e reflete um mundo (numa data futura que para Dick era muito mais distante do que para nós) influenciado pela Teoria dos Jogos:
“Minimax, o método para sobreviver ao grande jogo da vida, tinha sido inventado por dois matemáticos do século 20, von Neumann e Morgenstern. Tinha sido empregado na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coréia, e na Guerra Final. Estrategistas militares, e depois financistas, tinham experimentado com essa teoria. Em meados daquele século, von Neumann tinha sido nomeado para a Comissão de Energia Atômica dos EUA, como um reconhecimento da importância crescente de sua teoria. E em dois séculos e meio ela tinha se tornado a base do Governo”.
Essa sociedade começa sorteando bens de consumo para os cidadãos:
“Mas, para cada homem que ganhava um carro, uma geladeira, uma TV, havia milhões que não ganhavam nada. Gradualmente, ao longo dos anos, os prêmios dos sorteios evoluíram de bens materiais para itens mais realistas: poder e prestígio. E, por fim, para o posto mais cobiçado: o de Quizmaster, o que distribuía o poder”.
A influência da Teoria dos Jogos de von Neumann é deixada explícita por Dick; o que não sei é se ele teria, em 1955, lido o conto de Borges “A Loteria de Babilônia”, que é exatamente isto, a história de uma sociedade que começa sorteando prêmios em dinheiro e evolui para o sorteio de “elementos não pecuniários”: benefícios e castigos.
(O conto é de 1941, e não sei se em 1955 já teria sido traduzido para o inglês; sua primeira tradução inglesa em livro é de 1962.)
A coexistência de prêmios e castigos também está presente no livro de Dick, pois o Quizmaster eleito está permanentemente sob a ameaça de robôs assassinos que fazem parte do jogo. Ou seja, ninguém obtém o Poder sem algum tipo de risco.
A ideia de que um governante pudesse ser escolhido por sorteio sugere um sistema de poder tão bem estruturado que é capaz de diluir qualquer idiossincrasia do eleito, e de compensar suas deficiências. O governante seria uma espécie de figura decorativa, “rainha da Inglaterra”, servindo acima de tudo para manter diante da população a ilusão de que “qualquer um pode chegar lá”. Uma Mega-Sena política em que todo cidadão em dia com o Estado está automaticamente inscrito. O Poder pouco influi na sociedade, vira mero objetivo de disputa entre o que o ocupa e os que querem abatê-lo.
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