(foto: Bazuki Muhammad)
No dia em que o Botafogo foi campeão com o gol de Maurício
(há dezoito cariocas que se refestelam nessa frase carregada de semântica
afetiva) eu vi o Flamengo tremer e o Catete vibrar. Eu morava numa casa
encravada na ladeira da Tavares Bastos, no Catete, de onde eu descortinava
(sim, descortinava, isto aqui é uma crônica) uma vasta visão horizontal desses
bairros. Aquele jogo foi uma predestinação. O juiz era um rapaz que chamavam
“Bianca”, e nosso medo era que o Botafogo, notoriamente inferior, apelasse para
a violência intimidando Sua Senhoria. Sua Senhoria se saiu até que bem, e o
Flamengo teve chance de vencer até o último lance de Zico em campo, uma falta
que passou raspando na trave esquerda do gol alvinegro. E aí vem aquele
contrataque veloz puxado pela esquerda (o Flamengo só leva gol em contrataque,
por que será), bola cruzada na área, o negão se jogando pra frente como um
mané-gostoso e esbarrando na bola com o pé para o fundo das redes. O chão do
Rio ficou se tremendo, e os terraços se povoaram como por encanto.
Eu fico meio feliz quando, no dia em que perco, pelo menos a
festa do adversário é uma festa bonita.
O torcedor de futebol não deve amar tanto seu time que não veja (mesmo
que roendo-se de inveja) o momento bonito do adversário. Às vezes uma derrota
que nos parece meramente incômoda, acaba-festa, desmancha-prazeres, é para
nosso adversário um triunfo em Trafalgar, uma invasão de Iwo Jima, uma façanha
nas Termópilas. Demos um tropeção que nos custou caro; na arquibancada deles,
parecia o começo de um milênio novo. Ninguém entende direito os fatos
históricos de que faz parte. A historiografia demonstra que muitos soldados
ingleses só tempos depois foram saber que haviam ganho a batalha de Waterloo.