O Tropicalismo não foi um movimento organizado e teorizado, foi uma efervescência criativa de um grupo de artistas de talento, cada qual com um gosto próprio e uma visão pessoal.
Foi movido em parte pela intuição, e em parte por teorias assimiladas durante o trajeto, como quem troca um pneu com o carro em movimento. Se os tropicalistas citam tanto a “antropofagia” teorizada por Oswald de Andrade é porque poucas imagens exprimem tão bem a voracidade cultural que os consumia e que os fazia consumir.
Para os jovens de hoje, a Tropicália apenas introduziu a guitarra elétrica e as roupas espalhafatosas na MPB; seria uma espécie de Banda Calypso intelectualizada. Isto é um mero rabisco para retratar uma situação mais complexa.
O primeiro disco solo de Caetano Veloso tinha muito mais influência da música erudita da época do que do rock.
Em 1968, Caetano e Gil, então em São Paulo, aproximaram-se de um grupo de músicos eruditos com idéias vanguardistas. Gil ficou mais próximo de Rogério Duprat, autor do arranjo original, entre outras canções, de “Domingo no Parque”, além dos primeiros discos dos Mutantes e do famoso Panis et Circensis.
Caetano utilizou em seu disco de estréia arranjos de Sandino Hohagen (“Eles”, “Clara” e “Anunciação”), Julio Medaglia (“Tropicália”, “Paisagem útil”, “Clarice”). Os arranjos lançavam mão de sons eletrônicos, e utilizavam desde grupos pop como o RC-7 (a banda oficial de Roberto Carlos) até o Musikantiga, um conjunto instrumental hoje esquecido mas que era (pelo que me lembro) uma mistura de Quinteto Armorial com Uakti.
A sonoridade do Tropicalismo deve tanto a estes experimentos quanto ao rock e pop internacionais. Nos discos feitos antes do exílio em Londres, estas experiências foram mais longe: Caetano com “Acrilírico”, Gil com “Objeto Semi-Identificado”.
O auge dessas pesquisas foi atingido por Caetano em Araçá Azul, que foi (talvez ainda seja) o disco com maior índice de devoluções à loja, na história da MPB. Em seu livro Verdade Tropical, Caetano afirma reiteradamente que Araçá Azul exprime melhor que qualquer outro trabalho as intenções que ele tinha quando começou a gravar, e considera que os discos anteriores eram cheios de concessões, canções menores, coisas feitas às pressas, etc.
Seja isto verdade ou não, foi no Tropicalismo que pela primeira vez a música erudita de vanguarda, a música eletrônica, a música concreta puseram seu pé na MPB. Esses caminho não frutificou por motivos comerciais, claro, embora artistas como Walter Franco tenham empurrado mais um pouco as fronteiras deixadas pelos baianos.
Gostemos ou não desse tipo de música, para fazer justiça ao Tropicalismo é preciso reconhecer que uma característica do movimento desde o início foi o seu intelectualismo, ou seja, sua clara disposição para colocar as questões da música num grau maior de profundidade e complexidade. Chacrinha e Carmen Miranda eram apenas o invólucro de celofane.