Por que traduzir um livro já traduzido? Os leigos se
dividem. Uns dizem que é porque a primeira edição tinha erros, e que a segunda deverá
ser igual à primeira, menos esses erros. Outros, que a tradução existente é
muito antiga e é preciso trazer aquela obra para “a linguagem moderna de hoje”.
Tudo isso é possível, mas do ponto de vista meramente literário uma obra qualquer propõe um jogo recriativo com diferentes graus de dificuldade para cada idioma e cada tradutor. Como ficaria “Meu Tio, o Iauaretê” de Guimarães Rosa em russo, ou Exercícios de estilo de Queneau em mandarim?
Tudo isso é possível, mas do ponto de vista meramente literário uma obra qualquer propõe um jogo recriativo com diferentes graus de dificuldade para cada idioma e cada tradutor. Como ficaria “Meu Tio, o Iauaretê” de Guimarães Rosa em russo, ou Exercícios de estilo de Queneau em mandarim?
Vou citar um exemplo simples, que um amigo me propôs
recentemente. “I was
devastated with the news of my grandmother’s death”. Um tradutor pode dizer: “Eu fiquei
devastado com a notícia da morte da minha avó.”
Outro diria: “Eu fiquei arrasado com a notícia da morte de minha avó.”
Qual dos dois está mais certo? Em termos literais, ambos estão igualmente certos, têm sentido equivalente, mas o verbo “arrasar” e o adjetivo “arrasado” se tornaram muito mais frequentes na nossa linguagem coloquial. “Fiquei arrasado”, portanto.
Qual dos dois está mais certo? Em termos literais, ambos estão igualmente certos, têm sentido equivalente, mas o verbo “arrasar” e o adjetivo “arrasado” se tornaram muito mais frequentes na nossa linguagem coloquial. “Fiquei arrasado”, portanto.
O verbo devastar não aparece muito em nossa linguagem
afetiva, sobre assuntos pessoais. É quase um verbo técnico: “Um tornado
devastou na tarde de ontem uma região de Illinois...” Em português de agora, “fiquei devastado” tem
intenção metafórica bem clara, mas não corresponde a um modo de falar familiar
e espontâneo. Se a intenção do autor é dizer uma frase que não chame a atenção,
melhor dizer “arrasado”. Nada impede que quarenta anos atrás devastar e arrasar
fossem igualmente comuns, ou que voltem a sê-lo daqui a mais quarenta.
O tom das palavras muda, o seu peso, a dramaticidade da
idéia que se quer passar. E os inventores de expressões (tanto na literatura
quanto na fala das ruas) vão procurando formas mais inesperadas, mas plausíveis,
de dizer a mesma coisa.
"Eu virei um hindemburg quando minha avó morreu."
"A quebra da minha firma ano passado foi um naufrágio titânico."
"Rapaz, o resultado do jogo de ontem me obliterou."
Expressões assim chamam a atenção na primeira vez que são usadas; com o tempo podem se tornar tão neutras quanto “fiquei arrasado”.
"Eu virei um hindemburg quando minha avó morreu."
"A quebra da minha firma ano passado foi um naufrágio titânico."
"Rapaz, o resultado do jogo de ontem me obliterou."
Expressões assim chamam a atenção na primeira vez que são usadas; com o tempo podem se tornar tão neutras quanto “fiquei arrasado”.
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