quarta-feira, 8 de setembro de 2010
2341) O "Jornal do Brasil" (8.9.2010)
"E vejam meu azar: comprei um Jornal do Brasil, emprego tinha mais de mil... e eu não arranjei um só!" O drama não é meu, é do personagem cantado por Jackson do Pandeiro no clássico "Meu Enxoval", em que o "paraíba" desempregado, depois de não achar uma colocação, acaba dormindo em frente em Teatro Municipal, na Cinelândia, aconchegado pela imprensa carioca: "O meu travesseiro é um Diário da Noite, e o resto do corpo fica na Última Hora".
O humor de Almira & Gordurinha, autores da música, fala de uma época em que a imprensa impressa carioca tinha titãs da informação, da polêmica e da cultura. Diário da Noite e a Última Hora deixaram as bancas para repousar no silêncio das bibliotecas; agora foi a vez do Jornal do Brasil, que para muita gente continua sendo o símbolo de um jornal moderno e modernizador, na diagramação, no visual, no estilo, na abordagem, na prosa, no tratamento da cultura. Sem ele, teria sido muito diferente a história da música popular brasileira, do cinema brasileiro, da poesia, do teatro, dessa coisa toda enfim. Sem ele, aliás, não existiria sequer o Jornal Dobrabil de Glauco Mattoso.
Todo jornalista em atividade no Rio tem sua história com o JB; eu tenho a minha. Entrei lá em 1987 por obra e graça do escritor Sérgio Sant'Anna, que me indicou para substituí-lo numa página de comentários sobre TV, na Revista de Domingo, intitulada "Conversa ao Pé do Vídeo". Fiquei ali durante dois anos, fazendo duas colunas por mês (revezando-me com Ingo Ostrovsky). Meus editores eram Alfredo Ribeiro e Joaquim Ferreira dos Santos. Tempos pré-Internet, em que às vezes eu tinha de pegar um ônibus para levar as laudas datilografadas até o prédio do jornal. Meu último texto publicado ali foi uma entrevista que fiz com Ariano Suassuna, em 2007.
O JB encerrou sua edição de papel. Procurei um exemplar em vão, no derradeiro dia, mas tinha esgotado. Se o público viesse demonstrando tanto interesse assim, o jornal não teria acabado nunca. Mas, ao contrário do Diário da Noite e da Última Hora, o JB não morreu. Sublimou-se! Transcendeu-se! Virtualizou-se: deixou de gastar papel mas continua vivo, nos pixels luminosos e coloridos de uma edição on-line. E isto mostra as vantagens da Internet, amigos, que pode ajudar a extinguir os dinossauros de papel, mas também lhes proporciona um novo planeta, onde esses pesadíssimos e onerosos órgãos de imprensa veem-se metamorfoseados em criaturinhas mais ágeis, uma espécie de velociraptors céleres e dribladores. Morreu o JB? Não creio. Passou da página para a tela, o que não é muito diferente de passar da lauda datilografada para a página em off-set. Porque - e chegamos agora ao Q.E.D. desta conversa toda - jornalismo (como literatura) é texto. Os jornais dos brasis agora têm como sobreviver, sem precisar de papel e tinta, porque o texto, este sim, não morre nunca. O texto é uma alma imortal que a humanidade inventou para si própria.
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