segunda-feira, 14 de junho de 2010
2152) O jogo de Tarantino (30.1.2010)
No filme Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino há uma cena que exemplifica muito bem o gosto do diretor pelo que a gente chama de arte referencial, a arte que o tempo todo fica fazendo citações a si mesma. No caso são citações da cultura de massas, da literatura popular e do cinema barato, coisas das quais Tarantino sempre confessou ser um consumidor voraz.
A cena ocorre no porão de uma taverna, na França, onde os “Bastardos” (agentes Aliados infiltrados) estão disfarçados de nazistas, e marcam um encontro com uma agente dupla alemã, a quem cabe facilitar sua entrada em Paris para um atentado contra oficiais do Reich. Os três guerrilheiros, com uniformes alemães, entram no porão, onde imaginam que irão encontrar a agente sozinha, e surpreendem-se ao ver que ela está numa mesa com soldados nazistas, tomando champanhe e comemorando o nascimento inesperado do filho de um deles. Para se divertir, os soldados e suas namoradas estão jogando um jogo em que cartas como as do baralho estão pregadas em suas testas, com nomes escritos.
O jogo – que eles logo explicam aos demais, envolvendo-os, e aumentando o suspense – é muito simples. Cada pessoa pega uma dessas cartas e escreve nela, sem mostrar a ninguém, o nome de uma pessoa, real ou fictícia, que seja conhecida por todos; personagens famosos da História, da literatura, da política, etc. Em seguida, cada pessoa entrega essa carta, coberta, para quem está à sua esquerda, de modo a que todas as cartas façam um rodízio, em círculo. Depois, cada um pega a carta que recebeu do parceiro à direita e a cola na própria testa. Assim, cada um deles vê quem são os “personagens” dos demais, mas não vê o que ele próprio exibe na testa.
Quando a cena começa, um soldado nazista tem na testa uma carta onde está escrito “Winnetou”. É uma ironia saborosa de Tarantino, pois, embora hoje esquecido, este é o índio americano herói de várias aventuras (ao lado de seu amigo, o pistoleiro branco Old Shatterhand) escritas por Karl May, o autor favorito de Hitler. Karl May era uma espécie de Julio Verne dos romances de aventuras. Nunca pôs os pés fora da Alemanha, mas, munido de mapas, guias de viagem e livros de geografia, ambientava aventuras mirabolantes em todos os continentes.
Outros personagens usados no jogo são Marco Polo, King Kong, Edgar Wallace (escritor policial, e um dos roteiristas de King Kong), o cineasta G. W. Pabst, a atriz Brigitte Helm (de Metropolis). A cena mostra a salada de referências culturais de Tarantino; ajuda, pelo clima de descontração e sem-pressa do jogo, a prolongar o suspense intolerável dos espiões que não contavam com tanta interação e temem ser desmascarados. E serve como uma metáfora do cinema de Tarantino. Todo personagem de seus filmes parece ter um ou mais cartões pregados na testa. Ele “pensa” que é real, mas nós, espectadores, sabemos que ele não passa de uma citação a um filme de Fulano ou de Sicrano.
2151) Jesse Dylan e a Internet (29.1.2010)
(Jesse Dylan)
A revista eletrônica Edge colocou para dezenas de cientistas, pensadores, artistas, personalidades públicas em geral a pergunta: “De que modo a Internet modificou sua maneira de pensar?” Um dos entrevistados foi o cineasta Jesse Dylan, fundador da Lybba, uma organização cujo objetivo é manter uma rede interligada de informações sobre medicina, cruzando dados fornecidos por médicos, pacientes e pesquisadores, e contribuindo para o avanço na cura de variadas doenças. Jesse, nascido em 1966, é o filho mais velho do cantor Bob Dylan, e trabalhou intensamente nos batalhões informáticos da campanha presidencial de Barack Obama.
Para Jesse (http://www.edge.org/q2010/q10_16.html), a grande mudança provocada pela Internet foi “uma troca descentralizada de informações”, e o principal resultado disso é que “novas idéias podem surgir, literalmente, de qualquer lugar”. Para ele, “neste exato momento um garoto pode estar recebendo e manipulando dados do Grande Colisor de Partículas na Suíça, ou pode estar procurando sinais de vida extra-terrestre com o projeto SETI. Qualquer pessoa pode fazer a próxima descoberta que vai mudar o mundo. Esta é a principal virtude da Internet”.
Alguém poderá dizer que nenhum garoto virou Einstein até agora, mas a resposta mais sensata é de que o processo mal começou. A quantidade de dados que produzimos hoje em dia está muito além da nossa capacidade de exame. Ou esse exame é aberto a um número maior de pessoas interessadas (e com um mínimo de conhecimento para poder fazer avaliações novas, ou pelo menos propor hipóteses novas) ou de nada adianta ficar elevando ao quadrado nosso poder de computação.
“Eu vejo a mim mesmo e a outras pessoas”, diz Jesse, “como canais de informação através dos quais está se filtrando toda a escala da experiência humana. Quando eu era garoto, aprendia as coisas observando o mundo e lendo livros. O conhecimento que eu ambicionava estava escondido de mim. Muitas coisas eram secretas ou inacessíveis. Na minha juventude, era precisar cavar muito fundo e explorar bastante para poder encontrar o que estava procurando, e muitas vezes o que eu procurava estava além do meu alcance. Para ir dos livros de Jack Kerouac até os discos de Hank Williams e dali para a escala pentatônica era uma enorme travessia. Hoje, isto pode acontecer em um instante. Dizem que os tempos antigos eram melhores do que o de hoje, mas eu discordo”.
Jesse é de uma geração que lembra do sistema antigo, e que na juventude testemunhou a criação do sistema novo. Esse entusiasmo dele se repete muito com pessoas da minha geração (cerca de 15 anos mais velhos que ele) que, além das limitações naturais do sistema, enfrentaram outra coisa: a censura do regime militar. Os maiores defensores da Internet que conheço são cinquentões que veem nela esse Paraíso que um dia julgamos impossível: informações claras e transparentes, 24 horas por dia ao alcance da mão, para quem souber procurar.
2150) Pen-drive (28.1.2010)
Eu estava fazendo um trabalho numa produtora quando entrou na sala um funcionário e pôs na mesa uma caixa: “Vim trazer o HD que vocês mandaram comprar”. Olhei a caixa: era um disco rígido de um Terabyte de capacidade. Fiz um cálculo rápido. Dependendo da resolução de imagem escolhida, seria possível gravar ali dentro todos os filmes que assisti na minha vida. Num troço do tamanho do meu cérebro, e com a vantagem adicional de guardar tudo intacto, porque meu cérebro, desgastado por atividades recreacionais, já não lembra muita coisa.
A capacidade de estocar informação é um dos prodígios permanentemente renovados de nossa época. Os caras da minha geração volta e meia estão escrevendo artigos como este, louvado uma maravilha que, para rapazes e moças de 20 anos, é uma mera bobagem. “Por que se admirar com um terabyte?”, perguntam eles. “Sempre foi assim, e, se não foi, vai ser, de agora em diante”. Eu sou do tempo em que essas engenhocas de gravar arquivos eram minúsculas e preciosas. Lembro do disco flexível (anterior ao disquete que conhecemos, o qual, apesar de chamado “floppy disk”, é rígido), que tinha (se não me engano) uma capacidade de 1,44 Megabytes. Revistas para quem a gente enviava colaborações, nos EUA e na Europa, prometiam: “Envie uma via impressa do seu texto, e um disquete com o respectivo arquivo. Devolveremos seu disquete pelo Correio”. E devolviam, porque era uma coisa mais cara do que o preço da postagem internacional.
Hoje, temos o pen-drive ou flash-drive, beleza de artefato que a gente leva no bolsinho das moedas, e onde pode guardar tudo que queira, como nas bolsas mágicas dos folhetos de cordel. Comprei um de 1 Gigabyte há dois ou três anos, para conduzir meus arquivos de trabalho quando estou viajando ou quando saio de casa. Basta-me plugá-lo num computador e é como se meu computador inteiro viajasse comigo. Depois comprei outros dois, de 16 GB cada um. No primeiro levo um back-up de tudo que é essencial no computador de mesa; no segundo, só músicas. E vi um destes dias, por 239,00 reais, um igualzinho, com 32 Gb de capacidade.
Eu temia pela fragilidade dessas jóias, mas li na Wikipedia um texto que me tranquilizou. Diz ele: “Alguns flash-drives conservam sua memória mesmo depois de terem sido mergulhados na água, ou mesmo tendo passado por uma máquina de lavar, embora isto não tenha sido previsto em sua fabricação e não seja algo para se confiar totalmente. Deixar o flash-drive secar por completo, antes de fazer a corrente elétrica circular por ele, é o que geralmente basta para que ele volte a funcionar sem problema. A equipe do programa Gadget Show, do Channel Five, já cozinhou um flash drive em propano, congelou-o em gelo seco, mergulhou- em vários líquidos ácidos, passou por cima dele com um jipe e o disparou com um morteiro de encontro a um muro. Depois, uma empresa especializada na recuperação de dados recuperou todos os arquivos gravados no drive”.
2149) Profissão: repentista (27.1.2010)
(Santino Luiz, cantador de viola, em foto de Roberto Coura)
Foi sancionada pelo Presidente Lula, neste começo de ano, uma lei, de número 12.198, aprovada pelo Congresso, que reconhece a atividade de repentista como profissão artística. O texto publicado no Diário Oficial da União define repentista como "o profissional que utiliza o improviso rimado como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita, compondo de imediato ou recolhendo composições de origem anônima ou da tradição popular". A lei lista quatro tipos de profissionais que se enquadram na sua definição: 1) os cantadores e violeiros improvisadores; 2) os emboladores e cantadores de Coco; 3) os poetas repentistas e os contadores e declamadores de causos da cultura popular; 4) os escritores da literatura de cordel.
Espero que essa chancela jurídica se reflita positivamente no exercício da profissão. Violeiros já me contaram que, anos atrás, cantador não conseguia pegar um táxi a menos que escondesse a viola, porque todo cantador de viola era bêbado e desordeiro, aos olhos da população. Cordelistas eram interpelados em plena feira por fiscais que os mandavam embora, ou cobravam propina, ou pediam “o alvará de funcionamento”, ou apreendiam os folhetos. Cantorias dentro de um boteco eram suspensas com a chegada da patrulha, porque “gente que se reunia para ouvir violeiros podia provocar distúrbios”. E assim por diante. Sem falar em situações menos graves mas não menos constrangedoras. Um cantador amigo meu entrou num ônibus para uma viagem interestadual, colocou a viola (encamisada) no bagageiro acima das poltronas e sentou ao lado de uma bonita morena, que lhe perguntou, com jeito coquete: “O que é isso?”. Para sofrimento e opróbrio junto à própria consciência, o cantador respondeu: “É um violão”. Acabaram namorando; o mundo não se acabou quando ela descobriu a verdadeira identidade profissional do galã.
Ser cantador repentista é tão nobre, tão difícil e tão sofisticado quanto ser músico de jazz. É fazer uma coisa extremamente complexa e que poucas pessoas conseguem fazer bem (por isto que existem tantos cantadores medíocres e tantos músicos de jazz medíocres). E, mais do que isto, é exercer uma forma de arte que só existe no Nordeste do Brasil, ou que pelo menos nasceu aqui e daqui se expandiu para o resto do país. Ser repentista não é o mesmo que ser trovador medieval, ou jogral renascentista, ou bluesman norte-americano, ou bertsolari basco, ou inúmeras outras atividades com afinidades de DNA. Quantos povos, quantas regiões, quantas comunidades humanas podem se gabar de ter inventado uma forma de Arte? Muito poucas, eu acho. A Cantoria envolve elementos da poesia, da música, da literatura oral, do teatro e da performance. É algo raro, rico, difícil. Pouco importa se os cantadores de hoje estão batendo píno e deixando de improvisar, pouco importa se o decoreba está tomando conta dos Festivais. O que foi criado aqui nasceu aqui, e tomara que não morra nunca.
2148) “Bastardos Inglórios” (26.1.2010)
O novo filme de Tarantino é, segundo descrição dele mesmo, um bang-bang italiano ambientado na Europa ocupada pelos nazistas. Modéstia de QT, que mistura meia dúzia de gêneros (como sempre) num coquetel que tem dois dedos disso, uma pitada daquilo, uma colher não-sei-do-quê. Em grande parte, principalmente, na segunda metade, o filme pertence àquele sub-gênero que linka guerra e espionagem: agentes infiltrados nas linhas inimigas tentando fazer-se passar pelos próprios inimigos. Quem não já viu 50 filmes assim, principalmente envolvendo nazistas? A cena do porão da taverna é um suspense exemplar, não o suspense intelectual e distanciado de Hitchcock, mas o suspense “tudo-agora-mesmo-pode-estar-por-um-segundo” de Sergio Leone ou de Peckinpah, onde as mortes são reais. Por outro lado, a cena da recepção antes da exibição do filme nazista, no final, com os Bastardos disfarçados de italianos, é uma mistura de Mel Brooks com Brian de Palma – tudo vai ficando ligeiramente over, distanciado, delirante, metalinguístico.
Tarantino é violento porque a gente sente que uma cena brutal, para ele, é como um gol. Se não tiver de vez em quando o filme acaba 0x0. Mas violência gráfica, explícita mesmo, acima do padrão, tem apenas na cena da ponte (os escalpos, a execução do nazista com bastão de beisebol), na cena de Brad Pitt interrogando a alemã ferida na maca, e na derradeira cena de todas (a marca de Caim). O resto são mortes a tiros, rajadas de metralhadoras, etc., o feijão-com-arroz de qualquer filme de guerra dos últimos 40 anos. Brad Pitt, que começa o filme alardeando um sadismo de arrepiar, durante o filme inteiro não dá um único tiro, um único murro. Afora sua habilidade com a faca, a única coisa que seu personagem mutila é o idioma de Walt Whitman.
No coquetel de gêneros que é o filme, não posso deixar de lembrar a todos que se trata, acima de tudo (embora isto só fique claro no final), de um filme de ficção científica, certamente o primeiro de Tarantino. Como sabem os aficionados, um dos sub-gêneros mais importantes da FC é a “História Alternativa”, em que a linha do Tempo que conhecemos é rompida e a História vira a esquina numa direção diferente. Grandes clássicos da FC são baseados em premissas desse tipo: e se o Sul tivesse ganho a Guerra da Secessão? Ver Bring the Jubilee, de Ward Moore. E se a Peste Negra, no século 14, tivesse exterminado 99% da humanidade? Ver The Years of Rice and Salt, de Kim Stanley Robinson. E se Hitler, derrotado na política, tivesse migrado para os EUA e virado ilustrador de pulp fiction? Ver O Sonho de Ferro de Norman Spinrad. E se os holandeses não tivessem sido expulsos de Pernambuco, e o Quilombo de Palmares tivesse se tornado uma nação independente? Ver O Vampiro de Nova Holanda, de Gerson Lodi-Ribeiro. O final apocalíptico e orgástico do filme de Tarantino cria um novo futuro, e o arremessa para essa galeria de clássicos.
2147) Pedofilia e high-tech (24.1.2010)
“Novos tempos trazem desassossegos novos, e ameaças de uma natureza que nem sempre percebemos ao primeiro encontro. Acenam-nos com novidade tecnológicas de toda sorte, confiantes de que tudo que o Homem produz é para o bem do Homem. Esquecem que o Mal nunca dorme e tem olho vivaz e braço longo. Muitas vezes nem bem a Ciência estende à Humanidade uma nova dádiva e lá vem a mão do Maligno a arrebatá-la no meio do caminho, furtando-a para servir a seus próprios desígnios.
“O crescimento da pedofilia, essa chaga moral que se abate sobre nosso século, está diretamente ligado às novas técnicas de reprodução de imagem que tanto vêm encantando os incautos. Pode-se mesmo estabelecer uma equação vinculando o crescimento do vício ao crescimento da técnica, visto ser ela quem traz aos viciados os meios para o melhor cultivo da deformação moral que os caracteriza.
“O exemplo mais à mão é o desenvolvimento recente do daguerreótipo e das técnicas de reprodução fotográfica. Sabemos que pedófilos se deleitam na contemplação de imagens de crianças despidas ou sendo submetidas a sevícias; e que criam entre si verdadeiras redes subterrâneas de delinquentes voltados para a prática desses atos e para sua disseminação através de imagens. Não seria difícil comprovar, estatisticamente, que num momento em que predominavam, como tecnologias preferenciais de imagens, a pintura a óleo e as diversas formas de gravura (linoleogravura, litogravura, xilogravura, etc.) havia menos espaço para a produção dessas aberrações. Era muito longo o tempo requerido para, tendo uma criança como modelo (seduzida, ou submetida à força), produzir uma ilustração desse tipo.
“A criação do daguerreótipo (imagem gravada quase instantaneamente em lâmina de vidro coberta de emulsão química) impôs um novo parâmetro a essa corrente viciosa. Porque, ao contrário da tela a óleo e da gravura, é uma imagem que requer apenas alguns minutos para ficar pronta. Investigações ao longo de toda a Europa revelaram daguerreótipos de natureza malsã apreendidos entre os pertences de pedófilos, no momento de sua prisão. E agora, vem somar-se a isto uma nova ameaça: a produção de chapas fotográficas translúcidas, chamadas “negativos”, capazes de serem infinitamente reprodutíveis através de cópias em papel! De um instante para outro, pedófilos de todo o mundo serão capazes de fazer circular não apenas uma, mas centenas, milhares de imagens idênticas reproduzindo os quadros torvos que produzem com sua imaginação.
“Não nos resta senão solicitar às autoridades o máximo controle policial sobre: 1) lojas que vendem material óptico e mecânico suscetível de ser utilizado em câmaras fotográficas; 2) farmácias e boticas que comercializam produtos químicos usados nas emulsões fotográficas; 3) quaisquer indivíduos que se dediquem à prática da fotografia, por serem pedófilos em potencial, e, desse modo, uma ameaça a nossa civilização, em pleno apogeu do século XIX.”
2146) O crepúsculo das locadoras (23.1.2010)
As locadoras de filmes, segundo alguns analistas, são a bola da vez entre as funções sociais em vias de desaparecimento. Surgiram porque havia uma tecnologia nova (o VHS, e depois o DVD) servindo de canal estreito entre milhões de filmes de um lado e milhões de espectadores do outro. Muitas locadoras que conheço começaram com uma portinha e um cubículo. Foram se ampliando, absorvendo a lojinha ao lado, abrindo mais espaço, mais paredes, mais acervo. Foi um mercado em ascensão firme durante muitos anos. Agora, danou-se a cair. O aumento da banda larga e de conexões mais rápidas faz com que um filme possa ser baixado em poucos minutos. E o preço de compra do próprio DVD caiu tanto (em muitos casos) que ficou quase igual ao do aluguel. Sem falar na pirataria.
Um artigo de Ana Paula Sousa na “Folha SP” afirma que entre 2003 e 2005, havia, no Brasil, quase 14 mil locadoras de filmes, e agora não passam de seis mil. A venda de DVDs, que num momento foi a grande concorrência desse ramo, também está caindo: entre 2006 e 2008 caiu de 28,7 milhões para 24,7 milhões de unidades. A venda de títulos para locadoras caiu ainda mais, de 8,5 milhões para 4,6 milhões. O Brasil já teve o maior mercado de locação de filmes do mundo. Europeus e norte-americanos preferiam comprar filmes, mas o brasileiro, certamente devido ao poder aquisitivo, alugava. O preço de venda foi caindo e as opções gratuitas se expandiram: pirataria e Internet são, no caso, as forças gravitacionais que estão tirando o público das locadoras.
A locadora é para muita gente algo como a padaria ou o mercadinho da esquina, onde no fim de tarde ou começo de noite as pessoas se encontram e tiram dois dedos de prosa. A pequena locadora atende em geral as pessoas num raio de alguns quarteirões residenciais. Todo mundo se conhece, todo mundo cedo ou tarde se encontra ali. Conheço compradores inveterados de filmes piratas que ainda vão às locadoras. Para quê? Para saber se vale a pena ou não comprar certos filmes. Aluga por 5 reais, vê, e depois compra por 10 reais – se valer a pena. Por mais que um pirata seja barato, ninguém sai comprando tudo, às cegas.
Algumas locadoras estão virando espaços múltiplos onde é possível alugar ou comprar um DVD ou CD, fazer um lanche, tomar um café ou um sorvete, sentar em poltronas para bater papo, comprar livros e revistas. A locação vem como complemento de outras atividades, numa loja de perfil múltiplo, que tende a se transformar, de acordo com o espaço de que dispõe, em ponto de encontro, de bate-papo. As facilidades de circulação da informação digital não devem servir para nos enclausurar em quartos escuros fazendo downloads intermináveis. Devem servir para agilizar o processo e nos dar tempo livre para ir na locadora da esquina tomar um café, discutir sobre os filmes, pegar dicas de filmes, convidar os amigos para ir lá em casa ver o novo filme de Tarantino ou um velho filme de Resnais.
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