terça-feira, 4 de junho de 2013

3203) O sucesso errado (4.6.2013)




(Conan Doyle, por Charles Burns)




Muitas vezes um artista e o seu público têm opiniões diferentes sobre o trabalho dele. Ele quer ser reconhecido como o autor de “A”, mas o público só se interessa por outro trabalho dele, “B”, a ponto de irritá-lo. 

Às vezes um artista de muito sucesso popular tenta se blindar dizendo que na verdade gostaria de ”fazer algo mais sério”, por exemplo – ser artista de vanguarda. George Lucas diz que o sucesso de Star Wars o pegou de surpresa, e que na verdade gostaria de estar fazendo filmes cabeça para passar no circuito universitário. 

Caetano Veloso diz no livro Verdade Tropical que seu melhor disco, o que exprime o que ele gostaria de fazer, é Araçá Azul, seu disco mais experimental, e o mais rejeitado pela crítica e pelo público.

Lendo sobre Mark Twain, o criador de heróis popularíssimos como Tom Sawyer e Huckleberry Finn, além de inúmeros contos de humor lidos e relidos há mais de um século, vi que ele escreveu um livro chamado Personal Recollections of Joana of Arc (1897) que ele considerava sua obra prima. Não só ele: seu amigo William Dean Howells e seu biógrafo Albert Pigelow Paine diziam tratar-se de sua “suprema expressão literária”, o livro que iria imortalizá-lo. 

Ninguém conhece esse livro hoje; eu mesmo, que leio Twain há 50 anos, não sabia sobre ele. Sumiu. Ninguém se interessou, por melhor que seja.

É um caso parecido com o de Conan Doyle, que queria ser o continuador dos romances históricos de Walter Scott, e pode-se dizer que o conseguiu, com excelentes romances medievais (Sir Nigel, A Companhia Branca), sobre a época vitoriana (Rodney Stone), a corte de Luís XIV e a migração dos huguenotes para as pradarias da América (Os Refugiados), as fanfarronices e a coragem dos oficiais napoleônicos ("Brigadeiro Gerard”). Escreveu excelentes romances de FC (O Mundo Perdido, O Veneno Cósmico). 

Mas o público não queria saber disso. Só queria saber de Sherlock Holmes, o que irritava profundamente o escritor.

Estes exemplos parecem dizer que um artista nem sempre é o mais lúcido avaliador do próprio sucesso. Para Doyle, era mais importante se firmar como o continuador escocês de uma forma de literatura criada (em grande parte) por outro escocês (Walter Scott) do que ficar inventando mistérios banais para serem decifrados por Sherlock. 

Ele conseguiu seu objetivo de inscrever seu nome na literatura do século 19. O público foi quem acabou desviando sua obra e sua fama noutra direção, porque com o detetive de Baker Street ele ajudou a fundar, meio sem querer, e sem dar-lhe muita importância, o romance policial, o gênero mais popular do século 20.