Passei batido pelo centenário de Orson Welles, que foi
comemorado no dia 6 de maio passado. Deve ser porque estou focado nos
centenários de Rosil Cavalcanti e de Lourival Batista. Mas Welles é uma esfinge sem fim no meu
deserto. A imagem é adequada, porque
ele não construiu uma pirâmide, como Bergman, Chaplin ou Kubrick podem alegar
ter feito, mas deixou uma criatura bizarra (sua obra) que o que perde em
perfeição ganha em mistério e vida.
Minha primeira impressão dele sempre foi a de alguém ligado
à FC, e à inevitável (assim nos parecia) invasão dos marcianos à Terra. Por
causa do programa The War of the Worlds ficou associado à obra de H. G.
Wells: ele e seu quase-xará têm inclusive um bate-papo que gravaram ao vivo
numa rádio. São os dois homens que trouxeram ao mundo o conceito de invasão
marciana. O britânico, uma espécie de intelectual do povo, “self-made man” bem
ao gosto dos norte-americanos, pragmático, cheio de soluções para que a
humanidade dê certo. E o menino prodígio dotado de vastas e divergentes
leituras, ego sem limites, e ausência patológica do medo.
Cidadão Kane já foi para os críticos como o melhor filme
da história. (Ultimamente, dizem, foi suplantado nessas votações por Um Corpo
que Cai de Hitchcock.) Talvez por ser um filme-síntese, composto de perfeições
setoriais: a fotografia, a direção de arte, o trabalho de ator, a montagem, a
labiríntica e ainda obscura criação do roteiro... É um filme bom em tudo, “uma
nova maneira de fazer filmes”, como Orson explicou modestamente ao quase-xará
quando este lhe perguntou sobre seu novo projeto.
O Processo e F for Fake são, para mim, tão importantes e
tão bons quanto Kane, descontando-se o aspecto histórico deste, claro. Alguns anos atrás houve uma retrospectiva da
obra de Welles no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia. Foram
exibidos os comerciais hilários que ele fazia, de bebida, charutos, sei lá o
que. Tinha um lado bonachão e ôver, sabia ser simpático quando havia um cheque
no fim do túnel. Sempre soube se virar, teve fases de xeique e fases de showman
barato, mas não era um gênio inatingível como Kubrick, era um cara que vivia
cercado de gente em restaurantes e clubes.