(o datiloscrito de On the Road)
Uma vez perguntaram ao contista Luiz Vilela se a
naturalidade dos diálogos em seus livros vinha de um gravador ligado embaixo
das mesas de bar. Ele explicou que parecer espontâneo dá muito trabalho. O bom
escritor deve ter ótima memória, por certo, mas não é só isso. Deve saber
recriar o modo como as pessoas falam (e não me refiro a regionalismos ou
gírias): diálogos entrecortados que voltam atrás, que deixam frases
incompletas, que se repetem... E por cima dessa base que poderíamos chamar de
jornalística ou documental o autor projeta os efeitos propriamente literários,
os subentendidos, os equívocos, a tensão e as emoções dos falantes, as elipses.
Quem já tenha precisado transcrever entrevistas gravadas
acaba percebendo o quanto o nosso discurso oral é acidentado, cheio de falsos
começos, de lacunas, de coisas ditas pela metade porque são completadas por um
gesto, uma expressão facial, um simples olhar.
A imprensa reconhece isto, e hoje em dia usa-se muito a inserção de
ressalvas tipo “risos”, “longa pausa”, “com veemência”, etc. para dar conta
desse lado visual da oralidade, que as palavras nunca cobrem por inteiro.
Tudo isso é um retrabalhamento do que no ponto de partida
era espontâneo, mas tosco. O espontâneo-mesmo geralmente é fraturado,
semi-coerente, porque em geral as pessoas estão improvisando, ou estão tensas,
com pressa, esquecidas, etc. A frase a
que chamamos de “espontânea” é geralmente coloquial, tem bom ritmo, cai bem no
ouvido, parece verdadeira (porque corresponde a um ideal subconsciente nosso a
respeito de como uma frase deveria ser). Isso é resultado de muito corte e
costura, mesmo que no fim, como no caso de Luiz Vilela e de tantos outros, o
tecido resultante pareça liso, como a “túnica inconsútil” de Jesus.