Claro que
o mundo tem seus aspectos hostis, desorientadores, seus momentos de perigo. Mas
tem outros que não consigo definir de outra maneira que não “aconchegantes”. O
mundo nos acolhe e nos protege, mesmo com a impessoalidade das estruturas
prontas, em que podemos confiar para sempre. Por mais que os surrealistas ou os
visionários queiram nos convencer do contrário (e eu sou sempre o primeiro a
encorajá-los), o mundo ressts a tudo, é contínuo, é coerente. O mundo real tem,
sim, feições confiáveis, constantes, que se repetem a cada dia.
Philip K
Dick desorientou um entrevistador quando lhe revelou que o Japão não existe.
Quando a gente pega um avião para Tóquio, aí sim, “eles” arrumam e produzem um
Japão às pressas, pra que haja aeroporto onde a gente desembarque, ruas onde
trafegue, hotel onde descanse. A
realidade, para ele, era uma cidade cenográfica, um Mega-Projac coordenado por
uma Mega-Globo para nos dar a ilusão de que não existe uma Companhia maligna e
lucradora comandando este circo de absurdos. (O filme Truman Show foi um
vazamento, um wikileak disso.)
Imagine só
se o mundo tivesse que ser rearrumado às pressas em cada amanhecer para estar
novamente disponível aos nossos olhos; imagine se tudo fosse guardado à noite
em imensos caixotes (como os livros num estande de feira-do-livro) para no
começo do dia seguinte ser recomposto pelas mãos pressurosas de um balconista.
Eu ficaria muito surpreso se, em Campina Grande, acordasse cedinho, fosse à
Praça da Bandeira para resolver algum assunto, e percebesse que na pressa de
rearrumar Campina eles tivessem trocado de posição o Colégio das Damas e o
Correio.
Essa
certeza é tão reconfortante que se torna o piso mínimo de fé de que precisamos
para viver uma vida individual tão arisca, tão aleatória. Sabemos que no
atravessar da rua um motoboy despirocado pode nos jogar para o Além em fração
de segundo, mas em compensação a possibilidade de que um asteróide errante faça
o mesmo com a Terra é bem menor. O
planeta nos sobreviverá, como sobreviveu aos dinossauros.